domingo, 21 de janeiro de 2018

Agradecimento a Luís Macieira Fragoso (6)


São muitos os motivos para agradecer aos arguidos e continuam a somar-se.
No decurso da instrução do processo 488/16.4T9LSB ocorreram alguns factos importantes que é bom deixar registados.
O primeiro foi o provimento dado ao recurso do assistente e denunciante sobre a decisão de indeferimento do requerimento de abertura da instrução. Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa destaco a seguinte passagem (p.9):

É natural que, para se defenderem, os arguidos digam que a participação criminal se baseia em nada; todos os arguidos o fazem – mas nem todos têm razão. Este acórdão revela que um tribunal superior reconheceu que a participação criminal do denunciante tem factos que justificavam a abertura da instrução. Sim, tem “pernas para andar”, ao contrário do que alguns andaram por aí a dizer.
O segundo foi a opção do senhor Fragoso se abrigar no direito que a lei atribui aos arguidos de ficarem em silêncio. Não se contesta tal direito. Mas é estranho que alguém que afirmou tantas certezas, depois fuja a dar a cara por elas em tribunal. Cobardia? Falta de fundamentos? Tacticismo? Sentimento de casta que não se baixa a estas “vulgaridades”? Não sei. E realmente pouco me interessa, aqui e agora. Mas não revela um caráter nobre, o que não deixa de ser perturbador, num alto funcionário do Estado. Como alguém ironizou... “como é que os escolhem?”...
O terceiro foi a posição do Ministério Público, que defendeu a pronúncia do senhor Fragoso pelo crime de denúncia caluniosa. Parece que foi a primeira vez, desde sempre, que o Ministério Público defendeu a pronúncia por este crime. De novo, mais uma autoridade judicial reconheceu méritos na posição do assistente e denunciante. Sim, tem “pernas para andar”.
O quarto foi a posição do advogado da defesa no debate instrutório, em especial, a respeito da “violação do segredo de Estado”. Afirmou a propósito de tal classificação ser referida na participação criminal: “de forma naturalmente errada, errada para ser simpático”, “isto é uma asneira jurídica clamorosa” e “uma infelicidade da participação original”. Os arguidos, pela voz do seu advogado de defesa, vêm assim sugerir que a culpa foi da assessoria jurídica do CEMA, que elaborou a participação criminal.
Que diz a participação criminal que Fragoso assinou por sua iniciativa, livremente e conscientemente, empenhando nela a sua honra?



[...]

Foi devido a estas duas cláusulas que se investigou o crime de violação do segredo de Estado, empenhando recursos da Polícia Judiciária Militar e da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, para se concluir a "inexistência de crime". Qualquer pessoa percebe neste texto que o denunciante está convicto da denúncia que faz, e até a sustenta com a lei. E por ter a origem que tinha e pela convicção com que foi expressa foi levada a sério pelo Ministério Público. E bem.
O funcionário Fragoso enviou para o processo, através de ofícios assinados pelo funcionário Gouveia e Melo, várias informações. É de salientar a seguinte (um mês após a participação criminal) da qual se destaca a palavra “certamente” e o sentido que dá à posição dos arguidos:



Para os menos familiarizados com os procedimentos, cabe notar que os ofícios, se não são redigidos pelo chefe de gabinete, são, pelo menos, revistos e homologados por ele. Para que iriam Fragoso e Gouveia e Melo usar o termo “certamente” e as especificidades jurídicas se não estivessem delas convencidos? Nada mais fizeram do que reiterar a participação criminal. Como podem desculpar-se com a assessoria jurídica?
Os arguidos expressaram as suas certezas noutro ofício enviado para o processo em 08-Jun-2015:



Como pode seriamente argumentar-se que os arguidos só tinham suspeitas? E concluíram:



O funcionário Gouveia e Melo foi a testemunha do funcionário seu chefe Fragoso, tendo sido explícito nas suas declarações para o inquérito, em Novembro de 2015:









Também na instrução, o funcionário Gouveia e Melo veio sublinhar a expressão “baixa probabilidade” para sugerir que não acusou – quando linhas acima disse que “sim [o artigo se baseou no documento interno e classificado da Armada]”. O sentido global das declarações não é de dúvida, mas de certeza. No entanto, escolheu a dúvida para se safar em tribunal. Poucas coisas revelam melhor o caráter de um militar do que não assumir as responsabilidades por aquilo que fez ou disse.
Importa ainda deixar registado que os oficiais das Forças Armadas são especialistas nestas matérias; ninguém espera que oficiais-generais no topo da carreira não estejam seguros do que afirmam quando tratam de assuntos de segurança militar e de Estado. Mais: tem de se presumir que sabem exatamente o que afirmam e as implicações do que afirmam, porque é o seu ofício, e porque estas matérias constam da sua formação.

Através do seu advogado de defesa, os arguidos tentaram passar a ideia de que o problema da participação criminal de 2015 contra mim esteve em a assessoria jurídica ter tipificado erradamente o crime, ao falar em segredo de Estado. Mas o problema é outro: para haver violação de segredo de Estado teria de o estudo em causa ter sido antes classificado como segredo de Estado.
Como podia o funcionário Fragoso dizer que o estudo do funcionário Gouveia e Melo tinha a classificação de segredo de Estado se o autor só a tinha classificado de “reservado” (disse ele) de acordo com o SEGMIL1 (não foi)?
Só se o funcionário Fragoso atribuiu essa classificação, o que não tinha competência legal para fazer. Mas se não atribuiu, não havia documento classificado como segredo de Estado, não havia violação de tal segredo, o funcionário Fragoso mentiu na participação criminal e sabia que estava a mentir ao fazer a participação criminal.
Fragoso afirmou, pelo seu advogado de defesa, que não atribuiu a classificação de segredo de Estado.
Como podia o chefe de gabinete do funcionário Fragoso não saber que era falsa a acusação de violação do segredo de Estado? Se o estudo era dele e não o tinha classificado assim, como podia não saber que não tinha sido classificado o seu estudo como segredo de Estado? E sabendo tudo isto, como permitiu que o seu chefe assinasse uma participação criminal com a acusação de violação de segredo de Estado? Não é pelo menos moralmente cúmplice?
Cabe aos tribunais decidir sobre a questão criminal; dispenso-me de repetir a minha posição aqui e agora.
Mas a vertente moral, quiçá a mais importante, está ao alcance de todos os cidadãos.
Bem sei que muitos evitam ter de assumir a posição que vai contra os seus pré-conceitos e os seus amigos (ou é favorável a quem não gostam), refugiando-se no “desconhecimento do processo”. Como se a falta de conhecimento detalhado de outros processos os inibisse de outras vezes se pronunciarem… Mas, mais importante, poucos trataram de consultar o processo. Claro que se o lerem pode tornar-se impossível fugir à posição que querem evitar ter de tomar.
A questão é mais grave quando entre os que ficaram em silêncio perante esta situação estão os que mais proclamam a superioridade ética e moral dos militares, e que passam tanto tempo a pretender dar lições de moral a outros. Não vou aqui e agora dar exemplos, nem sequer de oficiais-generais.
Quem falha a “regra de ouro” da moral revela ter baixos padrões morais, por mais que “encha a boca” de ética e moral. É mais grave do que a hipocrisia.
Mas, claro, é o caráter e os padrões morais dos arguidos que estão realmente em causa:

- o silêncio do senhor Fragoso,

- o silêncio do funcionário Gouveia e Melo sobre a classificação e violação do "segredo de Estado", deixando o seu chefe sozinho arcar com a acusação pelo Ministério Público,

- os arguidos a passarem as culpas aos subordinados,

- os arguidos a fugirem ao que afirmaram por escrito,

- as acusações que os arguidos sabiam ser falsas,

- a intolerância dos arguidos perante as opiniões adversas,

- e a perseguição pessoal que me moveram

revelam condutas incompatíveis com altos funcionários do Estado em democracia.
Estes mesmos funcionários já estiveram envolvidos na exoneração (sem fundamento) de um almirante e na acusação (falsa) através dos media de que ele e outro estavam envolvidos numa "conspiração de almirantes" (inexistente e delirante).
As condutas dos arguidos são reprováveis em qualquer cidadão; mas são muito mais naqueles em quem os cidadãos confiam para os dirigir e defender.

E lançam a dúvida: como podem os cidadãos saber que oficiais é que não são como os arguidos? E os que não são como os arguidos, porque não se demarcam destes?
Tolera o atual CEMA um funcionário destes sob as suas ordens? Que mensagem está a passar para todos os demais militares? Que exemplo está a dar?
Que imagem dá e permite que se esteja a dar da Armada?
Isso é um problema do CEMA e dos órgãos de soberania.

É triste ter de agradecer por se revelarem coisas destas. Que não são raríssimas, note-se. Este caso pode ser especial, mas é sobretudo por ter ficado um rasto de provas. Valiosas.

Pode ser que assim os órgãos de soberania aprendam e comecem a pensar mais e melhor quando promovem oficiais-generais e escolhem chefes militares.

2 comentários:

  1. A decisão do recurso para a relação está em:
    https://blook.pt/caselaw/PT/TRL/519453/

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  2. Sobre o “nevoeiro legislativo sobre o papel da Marinha”. existe também este link da Força Aérea Portuguesa:
    http://www.forumdefesa.com/forum/index.php?topic=8155.545;wap2

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