domingo, 27 de março de 2022

Reforma da Administração e Autoridade Marítimas - Policy Paper

 

1       Introdução

Este artigo trata da política pública de Autoridade Marítima, definida na lei como o exercício da autoridade do Estado no mar. O artigo ocupa-se da vertente institucional, tem natureza prospetiva e defende uma reforma da Autoridade Marítima, para a colocar em conformidade com a Constituição (CRP), e a tornar menos complexa e mais económica. O artigo centra-se em grandes modelos, pois os detalhes dependem das circunstâncias e das pressões dos atores administrativos e políticos em causa. E propõe uma linha de ação política no sentido de iniciar a reforma e criar alicerces para ela progredir e se firmar; é assim um artigo com uma posição política, ou seja, um policy paper.
A 1ª Revisão Constitucional (1982) estabeleceu sem ambiguidades a separação entre polícias e exércitos; as Forças Armadas passaram a ter uma só missão, de defesa militar contra ameaças externas; os exércitos deixaram de ter competências próprias nas políticas públicas de segurança interna, de administração da justiça, de proteção civil e de autoridade marítima, embora possam e devam colaborar com as autoridades competentes. Mas, 40 anos depois, o exército do mar continua a dominar a formulação, a concretização e a avaliação da política pública de Autoridade Marítima; os órgãos de topo da Direção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM) e da Polícia Marítima (PM) estão atribuídos por lei a oficiais da Armada, que usam o uniforme militar e regulamentos militares nestes serviços, em comissões de serviço de poucos anos, decididas sem concurso pelo comandante da Armada (CEMA). Sucessivos ministros da Defesa Nacional e o respetivo ministério (MDN) têm dado cobertura ou, no mínimo, tolerado as posições da Armada; e os órgãos de soberania eleitos não agendam as correções nem uma reforma de fundo. Esta política pública está há um século sob total direção do Governo, e das burocracias públicas; e nem com a CRP passou a ser enquadrada por leis do parlamento ou por ele ativamente fiscalizada.
São raros os trabalhos académicos e os policy papers nesta política. As posições dos atores políticos pouco informam ou esclarecem sobre visões ou rumos, ou sequer sobre as realidades com qualquer tipo de pormenor; raramente se distanciam do discurso da Armada, na forma e na substância.
O texto é uma síntese e a adaptação a artigo, com uma ligeira revisão, da tese de doutoramento em Políticas Públicas do autor (https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/20825), pelo que não se repetem as respetivas referências. Após a introdução, o capítulo 2 caracteriza brevemente a Autoridade Marítima, e os pontos em que o autor concluiu haver desconformidade com a CRP desde 1982. O capítulo 3, reproduz no essencial o capítulo XI daquela tese, e define os grandes modelos que o autor julga serem conformes com a CRP, e os passos político-legislativos para iniciar a reforma e ela poder vingar. O capítulo 4 apresenta uma síntese conclusiva. Em anexo, propõe-se um articulado de lei de enquadramento do setor e da reforma, uma lei da administração marítima, num dos modelos possíveis e que merece a simpatia do autor.

2       A política pública de Autoridade marítima

2.1          Tópicos relevantes do passado

Enquanto política pública, a Autoridade Marítima foi criada no liberalismo, pelo Regulamento para a Polícia dos Portos (RPP), adotado pelo decreto de 30-Ago-1839; a figura fundamental foi logo o capitão de porto, o órgão administrativo desconcentrado local, que chefia a capitania do porto, o seu serviço executivo. A Autoridade Marítima emanou das alfândegas e a sua execução foi atribuída à Armada, através dos capitães dos portos e dos chefes dos departamentos marítimos (CDM) (sendo estes os órgãos regionais), todos oficiais da Armada em comissão temporária com compensações extra. Com o RPP, a Armada firmou-se na gestão e na segurança portuária e das costas (domínio público marítimo, DPM). O RPP foi substituído pelo Regulamento Geral das Capitanias[i] (1884), mas o modelo manteve-se no essencial quase intacto até 1921, quando o ramo marítimo se demarcou da Armada (ramo naval), ambos formando a Marinha Militar e convergindo no ministro da Marinha. A segunda grande reforma ocorreu dias após o golpe militar de 25-Abr-1974, com a extinção do Ministério da Marinha: a pilotagem, as pescas e a marinha mercante deixaram de estar sob a direção de um oficial da Armada e passaram para as então criadas Secretaria de Estado das Pescas e Secretaria de Estado da Marinha Mercante (SEMM). Esta cisão deu origem a uma nova política pública, a Administração Marítima, e novos serviços para a executarem. O exército do mar ficou com o ramo naval, o Instituto Hidrográfico (IH) e, entre outros, a Direção-Geral dos Serviços de Fomento Marítimo (DGSFM), a qual incorporava os restantes serviços e funções da Autoridade Marítima: as repartições marítimas (capitanias), os registos, a polícia marítima e o combate à poluição do mar.

Anunciada a revisão constitucional no final de 1981, o Conselho da Revolução reorganizou as Forças Armadas poucas semanas depois, cristalizando o nome “Marinha” para o exército do mar em vez do correto, “Armada”. A 1ª Revisão Constitucional (1982) estabeleceu a separação entre exércitos e polícias sem ambiguidade; os exércitos passaram a ter uma só missão, a defesa militar da República contra ameaças externas, como é norma nos Estados de Direito Democráticos (EDD). As missões civis (segurança interna, administração da justiça, proteção civil e autoridade marítima) deixaram de ser competências próprias das Forças Armadas, embora os exércitos possam colaborar com as autoridades competentes. Assim, esta revisão constitucional criou um problema de políticas públicas: o exército do mar tinha os recursos, mas não tinha a competência constitucional para continuar a dirigir e dominar a Autoridade Marítima; não se via então como atribuir as competências e os recursos, de acordo com o novo modelo constitucional. A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (1982) densificou este novo modelo, mas manteve a designação do exército do mar adotada meses antes (Marinha).

Para resolver o problema, foi criado em 1984 o Sistema de Autoridade Marítima (SAM), que era composto pela Direção-Geral da Marinha (DGM), pelos departamentos marítimos e pelas capitanias, aqueles na dependência direta do CEMA, e todos integrados no exército do mar. A formulação terá decorrido no silêncio dos gabinetes e com a passividade dos órgãos de soberania, que estavam muito ocupados com a crise económica de 1983 a 1985. Mas foram sensíveis a uma ideia de “economia de meios” defendida pelos oficiais da Armada descontentes com a cisão de 1974. Com o SAM, os oficiais da Armada viram afastar-se a ameaça de retração da Armada, surgida em 1974 e avolumada até 1982: a Autoridade Marítima continuou inserida no exército do mar e subordinada ao CEMA.

Em 1991, o Governo agendou a desmilitarização e a autonomia da Autoridade Marítima face à Armada, para o que começou por colocar o SAM na dependência direta do MDN. Face a nova ameaça de retração e perda de autonomia, o CEMA retomou a ideia de “economia de meios” numa “narrativa das poupanças”, assente no termo “sinergias” e na unidade de comando: obtêm-se poupanças com a militarização da Autoridade Marítima e com a sua integração na Armada, as quais são impossíveis de obter sem unidade de comando no CEMA. O Governo aceitou a resistência, e a oposição, da Armada, baseada na “narrativa das poupanças”; mas tais benefícios estavam e estão por demonstrar, e não têm fundamento teórico – são folk concepts.

Na formulação das reformas da defesa e da Autoridade Marítima, negociadas entre o MDN e a Armada, de 1991 a 1995, o CEMA deixou claro o risco que o Governo corria de ficar sem Autoridade Marítima se adotasse uma política sem ou contra a Armada. A recessão de 1992-1993 obrigou a conter as despesas públicas e a ideia, embora vaga, de poupanças era bem-vista nas opiniões publicadas e no meio político; o fim da Guerra Fria apelava à redução das despesas militares e a poupanças neste setor. O SAM continuou integrado na Armada em 1993. Criado em 1994, o Serviço de Busca e Salvamento Marítimo (SBSM) também continuou, na prática, inserido na Armada. A PM foi institucionalizada em 1995 para ficar conforme com a CRP, como força de segurança especializada nas atribuições e nos espaços do SAM, mas sem uma lei orgânica (ainda por criar); o CEMA e a Armada mantiveram o domínio, ou supremacia militar, sobre ela – embora o domínio seja indireto é fácil de identificar, pois os capitães dos portos são também, por inerência, comandantes locais da PM. Em todos os aspetos referidos, a Armada prevaleceu.

A reforma do SAM foi de novo agendada em 1996 e reagendada em 1998, mas só se concretizou em 2002: definiu a Autoridade Marítima como política não-militar, ou seja, civil; substituiu a DGM pela DGAM, segundo o modelo típico de direção-geral; criou a Autoridade Marítima Nacional (AMN); o SAM deixou de ser uma estrutura orgânica na dependência do CEMA, e passou a ser só um conjunto de órgãos e serviços (que não inclui os exércitos) com poderes de autoridade marítima[ii], sem direção, e cuja coordenação superior compete ao Conselho Coordenador Nacional do SAM (CCN-SAM), presidido pelo MDN – e que nunca reuniu. O CEMA, por inerência legal AMN, passou a ter só poderes de coordenação e já não de direção; na prática, isso é irrelevante, porque continuou a ter poder de direção indiretamente, ou por via de estruturas opacas ao público. O dirigente máximo da DGAM, que acumula com a PM é a exceção: não está subordinado ao CEMA; mas o formalismo é irrelevante, pois emergiu uma subordinação eficaz, e informal, devido à cultura militar-naval e em consequência da passividade de sucessivos MDN. Esta realidade foi prevista numa ata das negociações entre o MDN e a Armada de 1992, e foi concretizada na exoneração do DGAM e Comandante-Geral da PM (CG-PM) em 28-Jan-2015. A Armada manteve na prática a unidade de comando do CEMA sobre a PM e a DGAM, como visou nas referidas negociações de 1992. A Armada prevaleceu.

Às “sinergias” juntou-se em 2007 o “duplo uso”. Muitos atores políticos e mediáticos aprovaram as ideias, ao ponto de se ter instalado nestes meios a ideia de que sem a Armada haveria que criar uma “segunda Marinha” ou “mini-marinhas”, o que sugere redundância e desperdício. A Armada, nunca se referindo às normas constitucionais e sugerindo sempre o seu altruísmo, apontava ambições de poder a outras burocracias públicas, como as autoridades portuárias ou, sobretudo, a GNR.

A Armada sentiu nova ameaça com as reformas da segurança interna e da defesa (2006-2009). Com o discurso das “sinergias” e do “duplo uso”, que implica que quem discorda é despesista e não é patriota, a Armada, intitulando-se “Marinha/AMN” com a tolerância dos órgãos de soberania eleitos, inseriu-se na segurança interna (justamente quando esta mais se demarcou da defesa) através do Centro Nacional Coordenador Marítimo (CNCM), um fórum de coordenação entre polícias com competências no mar (por isso, exclui os exércitos), criado por via regulamentar, cuja base legal está na lei orgânica da GNR. Mas nenhum estudo ou auditoria demonstrou poupanças.

Enquanto defendia e enfatizava as “sinergias” e o “duplo uso”, a Armada rejeitava as “derivas integracionistas” na racionalização dos serviços da saúde e do ensino militares, e nenhum ator político reagiu à contradição. Consistente com as posições desde pelo menos os anos 1930s, a Armada exibiu uma dualidade de critérios, que revelou que privilegia a sua própria autonomia e a sua dimensão sobre quaisquer poupanças, como é típico das burocracias públicas. “Sinergias” e “duplo uso”, folk concepts, revelaram-se termos eficazes para suscitar apoio e simpatia nas opiniões públicas e publicadas, e nos atores políticos; mas sempre que as “sinergias” lhe acarretam perdas de autonomia ou de dimensão, a Armada invoca especificidades. Foi o que ocorreu quando se tentou criar o MDN (1934, 1940, 1950 e 1968), quando foi extinta a aviação naval (1952) e quando a recuperou (1992), quando se opôs à fusão do IH com o Instituto Geográfico do Exército (2014), quando criou o “Sistema Costa Segura” (2017), e quando o legislador pretendeu designar o exército do mar por “Armada” (1993 e 2014). Ao querer identificar a Armada com a Marinha, os oficiais da Armada têm induzido no espaço público a ideia de que o CEMA é o herdeiro do ministro da Marinha, que o exército do mar domina o setor marítimo e que o CEMA (um órgão administrativo) tem poder político. Vários atores políticos toleraram e alguns até adotaram estas posições: “o mar é da Marinha”, afirmou o MDN Aguiar-Branco (2014).

Com a reforma da defesa de 2014, confirmou-se a intenção política de separar formalmente a Armada e a Autoridade Marítima; mas ao confirmar a integração do SBSM na estrutura orgânica da Armada os capitães dos portos permanecem hierarquicamente subordinados ao CEMA, e esvazia-se a separação. Porém, pela primeira vez, a Armada reconheceu que a Autoridade Marítima é uma política não-militar ou civil, que a PM é autónoma da Armada, e que a Armada as apoia. Porém, pouco mudou na prática: a Autoridade Marítima continua militarizada, e sujeita ao domínio hierárquico formal ou informal do CEMA sobre a PM e a DGAM. A Armada prevaleceu.

2.2          Os factos da militarização da Autoridade Marítima

A militarização da Autoridade Marítima realiza-se em numerosos factos, dos quais se selecionam os seguintes por serem especialmente relevantes e ilustrativos:

·      São oficiais da Armada que dirigem os serviços nucleares da Autoridade Marítima, no topo e nos níveis intermédios, quase em exclusivo desde o século XIX: a DGSFM de 1969 a 1984; a DGM de 1866 a 1969 e de 1984 a 2002; e desde 2002, a DGAM, da qual dependem a Direção de Faróis (DF), a Escola da Autoridade Marítima(EAM) e o Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), também dirigidos por oficiais da Armada. Dirigem ainda a PM (criada em 1919, mas só em 1995 deixou de ser o “braço operacional” do capitão de porto), pois os seus dirigentes acumulam com órgãos da DGAM; e dirigem o IH, formalmente integrado na Armada.

·      Os militares da Armada em serviço na DGAM e na PM usam tipicamente os seus uniformes militares. Os uniformes militares são reconhecidos por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo; são símbolos de poder e de identidade quase universais.

·      Os militares da Armada em serviço na DGAM e na PM são selecionados pelos serviços da Armada, e os capitães dos portos são escolhidos pelo CEMA, sem que a lei defina critérios de seleção, em processos sem concurso, e sem qualquer escrutínio. As comissões de serviço não têm duração definida na lei e as nomeações são precárias (os titulares podem ser, e já foram, exonerados a qualquer momento, sem que a lei obrigue sequer o CEMA a expressar as causas substantivas de tal decisão).

·      Os cinco CDM chefiam os 28 capitães dos portos. Quatro dos CDM, são comandantes de zona marítima (CZM) e estão hierarquicamente dependentes do CEMA pela linha hierárquica do Comandante Naval. Os capitães dos portos, quatro dos quais são acumulam com CDM, estão também hierarquicamente dependentes do CEMA no SBSM; e estão inequivocamente, quando regressam à Armada, onde fazem a sua carreira.

·      Os oficiais em serviço na DGAM e na PM usam os regulamentos militares de classificação de segurança militar para assuntos de organização e funcionamento interno destes serviços civis, sem estar em causa a segurança nacional ou militar, que fundamentam aquela classificação.

·      O pessoal da PM está obrigado a recurso hierárquico para a AMN de decisões do CG-PM, em matérias de gestão corrente.

·      A DGAM e a PM não têm dotação orçamental autónoma; a PM nem tem subdotação própria; as suas receitas e despesas estão inscritas numa divisão do capítulo da Marinha, com o título “AMN”; isto é, uma autoridade militar, o CEMA, administra as finanças da DGAM e da PM.

·      O CNCM reuniu durante anos nas instalações do centro de operações da Armada, exercendo vários oficiais da Armada um papel dirigente ou coordenador.

·      O Vice-CEMA não faz parte de qualquer serviço da Autoridade Marítima, mas substitui a AMN por vacatura de cargo.

·      Só em 2014 a Lista da Armada deixou de incluir a AMN na “Organização Geral da Marinha”; contudo, as referências às medalhas da PM e de socorros a náufragos mantêm-se na Lista da Armada, sem serem da Armada.

·      O DL 37/2016 e o DL 52/2016 atribuem o título de “Almirante” à AMN, embora seja um órgão civil. Nem na lei orgânica da Marinha se atribui esse título ao CEMA.

·      Depois de exercerem as suas comissões de serviço na DGAM e na PM, tipicamente de 3 anos, que poucos repetem, os oficiais voltam à Armada, na qual fazem a respetiva carreira.

·      Nas comissões de serviço na DGAM e na PM, os militares recebem benefícios pecuniários, que crescem com o posto, e que podem aumentar as pensões de reforma. Acrescem ainda subsídios diversos, como ajudas de custo e subsídios por uso de viatura própria.

2.3          Modelos estrangeiros

São muito variados os modelos de Autoridade Marítima; ou melhor, de Administração Marítima, a designação adotada pela International Maritime Organization (IMO) para designar os serviços que exercem a autoridade do Estado sobre os assuntos do mar. Cada estado tem um modelo específico, que reflete marcas político-culturais fortes, a sua relação com o mar e a sua evolução histórica, em especial no papel que atribuem aos exércitos do mar nas políticas marítimas.

O autor estudou 21 modelos de Administração Marítima de EDD (Alemanha, Austrália, Bélgica, Brasil, Cabo Verde, Canadá, Dinamarca, Espanha, EUA, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Letónia, Lituânia, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido e Suécia) dos quais destaca que:

·      Em todos, a supremacia civil é um valor estrutural e estruturante, mesmo que não conste expressamente da respetiva constituição.

·      Com exceções, ou especificidades, é maioritário o princípio constitucional de não atribuir aos exércitos competências próprias na ordem e segurança públicas, incluindo no mar. Os países bálticos, a Noruega e a Dinamarca são exceções, limitadas, nos quais o respetivo exército do mar exerce algumas funções policiais, sob autoridade judicial, na fiscalização da pesca. Mas nenhum país tem algo que se assemelhe sequer à AMN, ou ao domínio por um chefe militar.

·      Foram criadas várias guardas costeiras e polícias marítimas, após a adoção de ZEE por vários Estados (como a Noruega) e da adoção da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Tratou-se de explorar os benefícios da especialização de forças policiais.

·      Não encontrou qualquer relação entre a existência de guarda costeira e a geografia: nem todos os países grandes, com grandes ZEE ou com longas linhas de costa têm guarda costeira; o Brasil e a Austrália não têm. Mas um país pequeno, como a Grécia, tem guarda costeira.

·      Não encontrou qualquer relação entre a existência de guarda costeira e a riqueza do país: nos EUA foi criada em 1915, na Grécia em 1919, na Noruega em 1977 e na Itália em 1989; a Austrália e a França não têm guarda costeira, mas o Canadá e a Suécia têm.

2.4          Disfunções da Autoridade Marítima

São numerosas as disfunções da Autoridade Marítima, das quais se selecionam as seguintes por serem especialmente significativas e reveladoras:

·      Ao estabelecer que a AMN é, por inerência, o CEMA, a lei faz da AMN um subconjunto das atribuições do CEMA; a inerência de funções determina que as duas não são separáveis, o que se constata também no facto de que o titular da AMN não pode ser nomeado ou exonerado sem o titular de CEMA o ser. E é o CEMA que prevalece, pois o Governo não pode nomear ou exonerar a AMN (política civil) sem ter de propor ao Presidente da República a nomeação ou exoneração do CEMA (política militar). Portanto, a lei atribui ao CEMA poderes numa política civil, o que é desconforme com a CRP.

·      A anterior disfunção é agravada pelo facto de o CEMA ter poder de direção sobre os capitães dos portos, os CDM, e os comandantes locais e regionais da PM, através do SBSM e por via das acumulações dos CDM (civis) com os CZM (militares).

·      A seleção, a nomeação e a exoneração do capitão de porto segue os procedimentos vigentes para os cargos militares, sem concurso, e sujeitas à mais ampla discricionariedade do CEMA, que tem essa competência, em vez do dirigente máximo da DGAM e da PM. Além do poder do CEMA sobre a DGAM e a PM, serviços civis, também a falta de concursos e de escrutínio daqueles procedimentos em serviços civis é desconforme com a CRP.

·      A PM não tem uma dotação própria no Orçamento de Estado, estando inserida na dotação da DGAM; e esta é administrada pelo CEMA. Está, assim, um órgão militar a administrar dois serviços civis, um deles uma polícia, o que é desconforme com a CRP.

·      A PM não tem, nem nunca teve, uma lei orgânica, regendo-se ainda pelo decreto-lei 248/1995 que adotou e pôs em vigor o estatuto do seu pessoal (exceto os comandantes, oficiais da Armada). Portanto, está desconforme com a Lei Quadro da Política Criminal (2006).

·      O SAM é apenas um conjunto de órgãos e serviços, sem atribuições nem estrutura ou chefia.

3       Proposta de formulação de uma nova política pública de Administração e Autoridade Marítima

Este capítulo tem natureza normativa, e prospetiva. Começa por apresentar os traços principais dos modelos mais simples que o autor julga serem conformes com a CRP, e que não têm de ser mais onerosos do que o modelo legal em vigor ou do que o que se encontra na prática; de facto, devem ser mais económicos. A terceira secção alinhada com a investigação efetuada, desenvolve-a, e propõe uma linha de ação para iniciar e concretizar uma reforma da Autoridade Marítima, conforme com a CRP.

3.1          Parâmetros orgânicos dos modelos

Qualquer política de Administração Marítima tem de executar duas funções: uma operacional, nos espaços marítimos e fluviais, nos portos e, eventualmente, no DPM; e outra de regulação (“de gabinete”). Estas funções têm diferente natureza, o que justifica a separação, ainda que venham a estar subordinadas ao mesmo órgão administrativo de topo. Esta separação facilita ainda o cumprimento das normas constitucionais, um critério incontornável de qualquer reforma no setor.

No modelo mais simples, aqui seguido, cada função é executada por um só serviço, específico. O serviço que executa a função operacional designa-se “guarda marítima” ou “guarda costeira”; o outro, é uma direção-geral, segundo o modelo típico da Administração Pública (AP) portuguesa, e designa-se, em coerência com a terminologia da IMO, Direção-Geral da Administração Marítima, que deve ser um serviço desconcentrado, presente ao longo da costa, através de capitanias.

Autoridade marítima” passa a designar só os órgãos com poderes de autoridade marítima. “Autoridade Marítima Nacional” deixa de ser um órgão e um serviço; passa a ser só um conteúdo funcional, a autoridade técnica em matérias de navegação e de segurança marítima, à semelhança da Autoridade Nacional da Pesca, da Autoridade Nacional de Imersão de Resíduos, da Autoridade Nacional de Controlo de Tráfego Marítimo e da Autoridade Competente para a Proteção do Transporte Marítimo e dos Portos e outras; deve ser, por inerência, o diretor-geral da Administração Marítima.

Há três hipóteses razoáveis de integração ministerial: no MDN; no Ministério da Administração Interna (MAI); e no ministério responsável pelos assuntos do mar (Ministério do Mar[iii], ou outro). O MDN e o MAI não têm vocação para os fins de regulação ou económicos relativos ao mar; ambos têm capacidades para executar a função operacional, por terem atribuídos recursos úteis e até essenciais a tal função; mas o MDN não tem vocação para funções policiais. Logo, o serviço que executa a função operacional pode estar integrado no MDN e no MAI, mas preferivelmente, neste. Há ainda um modelo que reflete a integração das funções operacionais e das funções de regulação, num só ministério. Por isso, emergem três grandes modelos orgânicos, indicados de forma simplificada no quadro abaixo.

A separação formal da Armada pode conseguir-se mesmo que a nova guarda funcione no MDN. Mas o passado de alheamento dos atores políticos face ao SAM e à AMN sugere que é forte a tentação do ministro delegar no CEMA a orientação superior, estratégica e corrente, e o controlo desta política pública. A separação formal entre a guarda e a Armada não obsta a que se estabeleçam protocolos de colaboração, na formação e treino, no apoio logístico e nas missões no mar, com as competências de cada parte e as correspondentes afetações de recursos bem definidas. Mas também não obsta a que seja na Escola Superior Náutica Infante D. Henrique que se forma o pessoal da Administração Marítima, e que se estabeleçam protocolos com serviço públicos não-militares.

Quadro – Modelos de exercício da autoridade do Estado sobre os assuntos do mar.

Função

I - integrado

II – securitário militar

III – securitário civil

Operacional

Ministério do Mar

Guarda Costeira

MDN

Guarda Marítima

MAI

Guarda Marítima

Regulação

Ministério do Mar

DG da Administração Marítima

Ministério do Mar

DG da Administração Marítima

Ministério do Mar

DG da Administração Marítima

3.2          Constituição dos modelos

Mesmo só nos grandes modelos, é irrealista e inútil especificar todas as configurações orgânicas possíveis para a Administração Marítima; elas resultam da combinação de um número ilimitado e subjetivo de parâmetros. Nem importa densificar qualquer modelo, pois a formulação envolve sempre a acomodação de posições dos atores que não desvirtuem os traços fundamentais de cada modelo, e que tornam a configuração específica. O que importa aqui identificar são os traços caracterizadores dos modelos, e os grandes traços que os distinguem do presente; e esses traços são:

·      A extinção do SAM e do CCN-SAM, pois nenhum tem existência concreta, e não cumprem qualquer função útil ou válida.

·      A extinção da AMN-órgão, da AMN-serviço, dos departamentos marítimos e dos CDM.

·      A fusão da DGAM e da DGRM na nova DGAM (Direção-Geral da Administração Marítima), com a natureza de regulador das políticas do mar; integra os serviços com natureza regulatória da DGPM, da DGRM, da (atual) DGAM (incluindo a DF) e do IH, em direções de serviço da nova DGAM (a DF e o IH devem fundir-se numa direção das ajudas marítimas à navegação); as capitanias dos portos continuarão a ser serviços desconcentrados da nova DGAM.

·      A PM funde-se com a Unidade de Controlo Costeiro e de Fronteiras (UCCF) da GNR, para criar a “guarda marítima” (militarizada) ou “guarda costeira” (civil), uma força operacional, que inclui o Sistema Costa Segura e o Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo (SIVICC), para atuar nos espaços marítimos e portos marítimos, passando o DPM para a PSP, a GNR e as autarquias locais.

·      A nova guarda reparte-se em duas direções de serviço: a direção de serviço policial é OPC de competência específica; e a direção de serviço de segurança marítima reúne as atuais funções de autoridade técnica, o SBSM (que absorve o ISN), a vertente operacional da DF e do IH e os serviços centrais, regionais e locais de combate à poluição do mar que não integram as administrações portuárias; tem natureza desconcentrada e partilha infraestruturas regionais e locais com a nova DGAM. A nova guarda apoia ainda as autoridades de saúde e ambientais, e outras, nas respetivas atribuições no mar.

·      A direção de serviço policial da guarda tem atribuições e competências de polícia judiciária e administrativa, especializada nos espaços e portos marítimos; executa missões de segurança interna nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, sem prejuízo das competências reservadas da PJ.

·      A nova guarda é chefiada por um diretor nacional, que o Governo pode escolher entre civis ou militares fora da efetividade de serviço.

·      Os meios de ação no mar da Armada vocacionados para funções civis (lanchas e navios de patrulha) e respetivos recursos de apoio logístico são transferidos para a nova guarda.

·      O montante dos recursos inseridos no perímetro orçamental administrado pelo CEMA passa para a dotação da nova guarda, que tem autonomia administrativa e para efetuar despesas com compensação em receitas.

·      A divisão policial da nova guarda e o CNCM integram o Sistema de Segurança Interna (SSI); o CNCM é extinto passando a sua função para o centro de operações que apoia o Secretário-Geral do SSI.

·      A divisão não-policial da nova guarda integra o Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro.

·      A DGPM continua a ser o serviço central de estudos, planeamento e avaliação do ministério responsável pelos assuntos do mar.

·      O pessoal forma-se na Escola Superior Náutica Infante D.Henrique, colocada na dependência funcional do DGPM; estabelece protocolos com os estabelecimentos de ensino e formação profissional com aplicação ao mar e ao salvamento marítimo, e com as escolas das polícias para matérias de segurança interna.

·      Acabam as acumulações por inerência; as acumulações passam a ser a muito rara exceção. A nomeação do pessoal dirigente faz-se por concurso, de acordo com a lei geral da AP civil.

·      Podem admitir-se militares no ativo, selecionados por concurso especial (exceto nos cargos de topo), em comissão de serviço fora das FA, e por dez ou mais anos.

3.3          Primeiros passos da reforma: desmilitarização das chefias da Autoridade Marítima

Na ausência de uma crise no setor, e por não ser de esperar que a iniciativa parta da Armada, só um empreendedor político agendará a reforma, ou aproveitará uma janela de oportunidade para a concretizar. Dificilmente o empreendedor político desta reforma estará fora do Governo; idealmente é um ministro (o MDN ou o ministro do Mar; neste caso, tem de estar bem coordenado com o MDN); necessita de ter apoio explícito do Primeiro-Ministro. Há várias formas de agendar esta reforma, mas a mais provável é um anúncio formal, por exemplo, num programa de governo. A determinação em resistir a pressões de quem perde é decisiva para o empreendedor político ter êxito, mas exige uma bem informada e pró-ativa assessoria.

Logo após o agendamento e antes de começar a formular a reforma, para a preparar e a tornar viável, é necessário tomar algumas medidas legislativas, para demonstrar que se visa uma mudança estrutural e cultural, mais do que só mudar estruturas orgânicas ou aparências:

·      Por decreto-lei, alterar o DL 44/2002 para eliminar a acumulação por inerência do CEMA com a AMN-órgão, extinguir esta e criar a dotação da DGAM, passando a competir a esta a gestão financeira da DGAM.

·      Por decreto-lei, alterar o DL 248/95 para desvincular o cargo de CG-PM de postos militares, e para criar a dotação da PM fora do perímetro orçamental administrado pelo CEMA, que passa a ser administrada pelo CG-PM.

·      Por decreto-lei, alterar o DL 185/2014 para revogar a possibilidade de acumulação entre o órgão de comandante militar regional (CZM) e do correspondente CDM, e para que o SBSM deixe de integrar a estrutura da Armada.

·      Por decreto-lei, reduzir as taxas aplicadas aos utentes pela DGAM e pela PM, eliminando as compensações pessoais, e mantendo o montante atribuído a despesas de funcionamento e de investimento. O mesmo diploma deve determinar que a alteração das taxas e sua distribuição deve doravante fazer-se por portaria conjunta do MDN, do Ministério das Finanças e do ministério responsável pelos assuntos do mar.

·      Por decreto-lei, alterar o DL 15/94 para que o CEMA deixe de chefiar o SBSM, e passe a ser um diretor na dependência do MDN. Regulamentar o DL 15/94 por decreto-regulamentar.

·      Por lei de valor reforçado, alterar a lei orgânica 03/2021 (LOBOFA-2021) para que o IH e o SBSM deixem de integrar a estrutura orgânica da Armada.

O agendamento deverá suscitar um debate nacional e inédito, informativo e profundo, porque a Armada tentará usá-lo para evitar que se passe à formulação e ainda menos que se concretize.

Afastados formalmente os mecanismos de domínio da Armada sobre a DGAM e a PM, e com o corte nas compensações pessoais, é possível iniciar a formulação da reforma e a desmilitarização da Autoridade Marítima com menos pressão da Armada e dos seus oficiais.

A desmilitarização da Autoridade Marítima e a sua integração numa Administração Marítima abrangente é a reforma de fundo e concretiza-se formalmente por diplomas legais novos e que devem revogar os diplomas estruturais em vigor, a maioria já identificada. Os diplomas inovadores serão:

·      Uma lei da administração marítima, a lei da AR que organiza todo o setor; apresenta-se em anexo uma proposta de articulado desta lei.

·      Uma lei de criação da nova guarda, também lei da AR, neste caso obrigatoriamente, porque organiza uma força de segurança.

·      Uma lei orgânica da (nova) DGAM e da DGPM, por decreto-lei do Governo.

·      Diplomas regulamentares com a orgânica dos serviços da Administração Marítima (guarda, DGAM, DGPM, SBSM) e sobre as tarifas das autoridades marítimas.

Os principais diplomas legais que se mantêm, mas a alterar para se adaptarem ao novo modelo, são a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), a Lei de Segurança Interna (LSI), a Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC), a lei orgânica da Marinha (LOMAR), a lei orgânica da GNR, as normas em vigor do Regulamento Geral das Capitanias de 1972, e as leis orgânicas dos sistemas nacionais de Busca e Salvamento Marítimo (que enquadra o SBSM) e Aéreo. Deve aproveitar-se esta reforma, para fundir os serviços de busca e salvamento (SAR), para passar a ter centros de SAR conjuntos marítimos e aéreos: JRCC em vez de MRCC.

Sem prejuízo de outras reações, os modelos indicados no quadro acima e as decisões acabadas de indicar suscitarão a oposição da Armada e de quem se assumir como seu aliado neste contexto, pois os oficiais da Armada percebem a significativa perda de autonomia e de benefícios anunciada. Como organização militar face ao que percebe ser uma ameaça existencial, “entra em guerra”: identifica os inimigos e define a estratégia para os combater e neutralizar. Recordando os excessos reprovados da “noite sangrenta” e o insucesso recente em processos por difamação, é de crer que a Armada não vá tão longe, e se empenhe nos bastidores do debate público e da formulação. A Armada raramente toma posições formais nestas matérias, e as que tomar serão assertivas e elegantes. Deixará as críticas fortes e por vezes destrutivas, para artigos de opinião de atores individuais nos media (como o Correio da Manhã, o Jornal da Economia do Mar, a Revista de Marinha, os Anais do Clube Militar Naval e, mais recentemente, o Público e o Diário de Notícias), seus aliados ou com os quais existam protocolos de colaboração. Quando use a sua voz institucional, adotará um discurso simples e sedutor, e confiará no poder de expressões como “duplo uso”, “sinergias” e “poupanças”, que tem usado para desmobilizar opositores e mobilizar apoiantes, com eficácia entre os atores mediáticos e os atores políticos.

Além dos media, a Armada tratará de estruturar a sua coligação de modo a explorar a facilidade de acesso informal dos dirigentes da Armada aos órgãos de soberania, e desde logo ao PR; como ator institucional com poder de veto interessa à Armada que ele o exerça e a seu favor. Também é de prever que a Armada procure influenciar os atores políticos, através de canais distantes do escrutínio público (nos bastidores), por pessoas que aceitem integrar a coligação centrada na Armada, sobretudo oficiais-generais fora da efetividade de serviço.

As críticas da Armada merecem toda a atenção. Por um lado, a Armada vai sentir-se obrigada a disponibilizar informação que tem e não tem revelado, e que procurará então usar a seu favor. Ao fazê-lo, revela que ela existe e torna difícil evitar o seu escrutínio, e que se procure mais.

A Armada investigará e divulgará todas as fragilidades dos modelos e da mudança. É importante aceder a informação e considerar as críticas para que se possa fazer uma boa formulação e se possa minimizar a turbulência da transição na fase de concretização. A Armada deve ter representantes seus nos grupos de trabalho que vão formular e concretizar a reforma; mas é essencial que esses grupos de trabalho sejam dirigidos e coordenados por quem esteja determinado a concretizar a reforma nas suas grandes linhas, e a acompanhá-la nos primeiros anos, para corrigir desvios devidos a pressões e falhas na formulação. Esta não deve decorrer em ambiente bilateral, nem de negociação; a decisão política da reforma prevalece sobre os interesses setoriais e corporativos, sem prejuízo de reconhecer contributos construtivos e de se adaptar às circunstâncias concretas nos pormenores.

 A falta de determinação ou a fraca preparação na matéria por parte do empreendedor político, seja ele membro do Governo, ou um líder de projeto por este nomeado, é suficiente para os opositores à reforma conseguirem enviesar e esvaziar os objetivos da formulação, da concretização e da reforma, como já ocorreu várias vezes desde 1982, ou antes, a propósito da criação do MDN.

4       Conclusões

De acordo com o enquadramento constitucional em vigor desde 1982, que atribuiu aos exércitos uma só missão, a defesa militar da República face a ameaças externas, a política pública de Autoridade Marítima deixou de ser uma política militar, pelo que devia ter deixado de ser dirigida e dominada pela Armada. Porém, após várias alterações legislativas, a desmilitarização ainda não ocorreu.

A militarização da Autoridade Marítima concretiza-se no facto de os dirigentes intermédios e de topo da DGAM e da PM serem todos oficiais da Armada e usarem os seus uniformes e regulamentos militares. Também se concretiza no facto de o CEMA ser, por inerência, AMN; e embora a AMN só tenha poder de coordenação sobre a DGAM e a PM, tem poder de direção sobre os dirigentes destes serviços, exceto os de topo, por via do SBSM e da acumulação de funções entre as estruturas militar e civil; e sobre os de topo goza de um poder de direção informal, por questões culturais e pela reiterada passividade do MDN. Concretiza-se ainda na precariedade e discricionariedade das nomeações dos dirigentes da DGAM e da PM, que podem ser exonerados a qualquer momento sem ser necessário fundamentar a decisão em critérios substantivos, à semelhança do que ocorre na estrutura militar.

Uma reforma da Autoridade Marítima, para cumprir a CRP neste âmbito e seja o mais simples possível, assenta numa função operacional, executada por uma guarda marítima ou costeira, por fusão da PM e da UCCF da GNR (direção de serviço policial) do ISN, do SBSM, da DF e do IH (direção de serviço não-policial ou de segurança marítima); e numa função regulatória, executada pela Direção-Geral da Administração Marítima, por fusão da atual DGAM e da DGRM.



[i] Este foi substituído por um novo em 1892 e este em 1972; mas ambos sofreram várias alterações substantivas.

[ii] Em 2002 eram: AMN; PM; GNR; PSP; PJ; Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; Inspeção-Geral das Pescas; Instituto da Água; Instituto Marítimo-Portuário; as oito autoridades portuárias; e Direção-Geral da Saúde.

[iii]    Equivale ao Ministério da Marinha sem a Armada; sem a Armada, é incorreto designá-lo “Ministério da Marinha”.

ANEXO

Lei da Administração Marítima

 

Capítulo I

Disposições gerais

 

Artigo 1º

Objeto

A presente lei define as orientações fundamentais da política pública de administração marítima.

 

Artigo 2º

Política pública de administração marítima

1 – A administração marítima é a atividade desenvolvida pelo Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais com a finalidade de promover e regular, de acordo com o interesse geral, o uso e a exploração sustentáveis dos espaços marítimos e portuários.

2 – A administração marítima é uma política pública permanente, multidisciplinar e plurissectorial, autónoma das demais políticas públicas, nos planos regulatório e operacional, autonomia que se deve às especificidades da atuação no meio marítimo, e das profissões e das tecnologias relacionadas com o mar.

3 – A política pública de administração marítima é uma política nacional, sem prejuízo das atribuições e competências próprias, definidas na Constituição e na lei, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.

4 – A política pública de administração marítima concretiza-se através de órgãos e serviços da Administração Pública, podendo com esta colaborar outras entidades, nos termos da lei.

5 – A política pública de administração marítima concretiza-se nas seguintes subpolíticas, definidas e densificadas em legislação própria:

a)        De salvaguarda da vida humana no mar, designadamente a busca e o salvamento nos espaços marítimos, no âmbito da política de proteção civil;

b)        De salvação marítima, no âmbito da segurança marítima, das políticas de proteção ambiental e da administração da justiça;

c)        De segurança e fiscalização marítimas, designadamente a investigação de acidentes marítimos e as ajudas à navegação, no âmbito das políticas de segurança interna, sanitária, tributária, da administração da justiça, e de proteção ambiental, relativas a todos os tipos de navios e navegação civis, nomeadamente a navegação comercial, de pesca, de investigação científica e de recreio;

d)        De proteção do meio marinho, designadamente a prevenção, a monitorização e o combate à poluição do mar e das costas, a imersão de substâncias e materiais nos espaços marítimos, e a exploração do património subaquático, no âmbito da política de proteção ambiental;

e)        De registos e matrículas profissionais, instrumentais para a segurança marítima e a proteção ambiental;

f)         De investigação científica do meio aquático e dos seus recursos.

 

Artigo 3º

Definições

No âmbito desta lei e da política pública de administração marítima adotam-se as seguintes definições:

a)     Autoridades marítimas – todos os órgãos da Administração Pública com poderes de autoridade nos serviços da administração marítima;

b)     Navegação – a atividade de manobrar, deslocar pelos próprios meios ou externos, fundear, amarrar, suspender, afundar, explorar para fins comerciais, científicos ou lúdicos qualquer tipo de plataforma flutuante.

c)     Espaços marítimos, estado de bandeira, estado costeiro e estado de porto têm as definições estabelecidas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em vigor e ratificada por Portugal.

 

Artigo 4º

Princípios gerais

No âmbito desta lei e da política pública de administração marítima vigoram os seguintes princípios:

a)        Transversalidade – a natureza multidisciplinar e plurissectorial da administração marítima determina a sua articulação, na formulação, na concretização e na avaliação, com as demais políticas públicas, em especial, as políticas externa e comunitária, de defesa, das pescas, marítima, portuária, sanitária, tributária, de segurança interna, de proteção ambiental, de administração da justiça e da proteção civil, e com os serviços que as executam; a transversalidade determina o dever de cooperação institucional entre os órgãos e serviços com atribuições nestas políticas;

b)        Especificidade do meio marítimo – a natureza e as circunstâncias do mar, e das profissões e das tecnologias relacionadas com o mar, nas quais se foca a administração marítima, determinam a conceção e a adoção de políticas e a tomada de decisões otimizadas para estas condições;

c)        Mínima interferência – a organização e a atuação dos órgãos e serviços com atribuições na administração marítima só devem interferir nas atividades particulares no mar para garantir o cumprimento da lei e o respeito pela ordem e segurança públicas, pela sustentabilidade e pela proteção ambiental.

 

Capítulo II

Organização geral da administração marítima

 

Artigo 5º

Direção política

1 – A Assembleia da República estabelece as orientações políticas e de médio e de longo prazo para a política pública de administração marítima.

2 – O Governo informa periodicamente a Assembleia da República sobre a execução corrente e os indicadores da política pública de administração marítima.

 

Artigo 6º

Governo

1 – A condução e a direção da política pública de administração marítima são da competência do Governo, que, no respetivo Programa, deve inscrever as principais orientações a adaptar ou a propor no âmbito desta política pública.

2 - Ao Conselho de Ministros compete:

a)     Definir as orientações gerais da política governamental de administração marítima, bem como a sua execução;

b)     Programar e disponibilizar os recursos destinados à execução da política pública de administração marítima;

c)     Promover a colaboração entre os órgãos e serviços da administração central e das administrações regionais e das autarquias locais, para garantir os usos sustentáveis do mar e tornar mais eficiente e eficaz a administração marítima.

3 – O Governo deve ouvir, previamente, os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e das autarquias locais sobre decisões da sua competência e especificamente a elas aplicáveis, nomeadamente no que concerne a acordos e convenções internacionais.

4 – A política pública de administração marítima deve, em princípio, ser conduzida e dirigida numa perspetiva integrada, e, portanto, por um só ministro, responsável por todos os assuntos e serviços não-militares do mar.

 

Artigo 7º

Código Administrativo do Mar

A regulamentação da administração marítima reúne-se no Código Administrativo do Mar, que o Governo põe em vigor por decreto-lei.

 

Capítulo III

Órgãos e serviços da administração marítima

 

Artigo 8º

Estruturas orgânicas

1 – A política pública de administração marítima é executada por órgãos e serviços da administração direta do Estado, de natureza regulatória, técnica e operacional, que operam de modo articulado, nos espaços marítimos e em terra.

2 – Esta política pública também é executada por órgãos e serviços da administração indireta do Estado de investigação científica, focados no mar e na sua interação com as costas e a atmosfera.

3 – A estrutura administrativa de natureza operacional, para operar nos espaços marítimos e nos portos, é a Guarda Marítima.

4 – O planeamento, a execução, o controlo e a avaliação da política pública de administração marítima, exceto na parte operacional, que compete à Guarda Marítima e aos serviços de investigação científica, competem a direções-gerais.

5 – A orgânica destas direções-gerais e dos serviços de investigação científica é definida pelo Governo, por decreto-lei.

6 – O pessoal que opera estas estruturas insere-se na função pública e, à exceção da Guarda Marítima, está sujeito ao regime geral e de carreiras da função pública.

 

Artigo 9º

Estrutura de planeamento e avaliação

1 – As funções de estudo, de conceção, de inspeção e de controlo da administração marítima são prosseguidas por uma direção-geral de planeamento e avaliação da política pública de administração marítima.

2 – Também incumbe a esta direção-geral a execução da função de avaliação das administrações dos portos e da política portuária nacional, no âmbito da supervisão e da tutela que o Governo exerce sobre aquelas administrações.

3 – Desta estrutura de planeamento e avaliação dependem, funcionalmente, os estabelecimentos de ensino públicos dedicados às profissões marítimas.

 

Artigo 10º

Estrutura executiva

1 – As funções de autoridade técnica no âmbito das suas atribuições, de registos, de matrícula, de inspeção, de emissão de certificados e de decisão sobre processos contraordenacionais, que se enquadram nas funções de estado de bandeira, de estado de porto e de estado costeiro, definidas na lei, são prosseguidas por uma direção-geral executiva da administração marítima.

2 – A estrutura executiva tem serviços centrais e desconcentrados nos principais portos do continente. Os serviços desconcentrados nos portos são as capitanias dos portos e os seus chefes são os capitães dos portos.

3 – O Governo define, por decreto-lei, a localização da sede e a delimitação geográfica de cada uma das capitanias dos portos, harmonizando sempre que possível a delimitação das capitanias com os limites dos concelhos costeiros relevantes.

4 – O Governo define, por decreto-lei, as atribuições e competências dos capitães dos portos, tendo em consideração o seguinte:

a)        Os capitães dos portos coordenam regional e localmente, no âmbito das respetivas atribuições e nos respetivos espaços de jurisdição, todas as autoridades e agentes marítimos; constituem, por isso, a autoridade marítima local;

b)        Os capitães dos portos são agentes de proteção civil. Enquanto tal, dirigem os recursos que lhes estão subordinados e coordenam os recursos relevantes de outras entidades nos respetivos espaços de jurisdição;

c)        Nas matérias e processos em que a celeridade seja essencial, as decisões dos capitães dos portos podem ser definitivas e executórias.

5 – A função de Autoridade Nacional de Navegação passa a designar-se Autoridade Marítima Nacional, com competências consultivas e executivas no âmbito da segurança da navegação nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, em especial, quanto a decisões relativas a locais de refúgio para navios em dificuldades.

6 – O órgão máximo desta estrutura executiva exerce as funções de Autoridade Marítima Nacional, de Autoridade Nacional da Pesca, de Autoridade Nacional de Imersão de Resíduos, de Autoridade Nacional de Controlo de Tráfego Marítimo e de Autoridade Competente para a Proteção do Transporte Marítimo e dos Portos, nos termos da lei, e pode delegar essas funções nos titulares dos órgãos diretamente subordinados.

7 – A estrutura executiva exerce as funções de autoridade técnica sobre a hidrografia e as ajudas à navegação marítima em geral, o salvamento marítimo, o salvamento costeiro e a assistência a banhistas nas praias.

8 – Todos os órgãos desta direção-geral são autoridades marítimas, no âmbito das respetivas atribuições e competências.

9 – Compete à estrutura executiva assegurar a representação técnica de Portugal na Organização Marítima Internacional (IMO), em apoio da representação diplomática nacional, e na Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA), assim como a ligação corrente a estas organizações internacionais.

 

Artigo 11º

Guarda Marítima

1 – A Guarda Marítima é um serviço nacional, inserido na administração direta do Estado, desconcentrado, e com presença física em todos os portos de Portugal.

2 – A Guarda Marítima tem as seguintes atribuições, que se enquadram nas funções de estado de porto e de estado costeiro, definidas na lei:

a)        É uma força de segurança, com funções de polícia de ordem e segurança públicas nos espaços marítimos, e funções de investigação criminal de competência específica em razão do território, nos espaços marítimos, sem prejuízo das competências legais de outras forças e serviços de segurança;

b)        É o principal serviço de execução e de coordenação de busca e salvamento marítimo e aéreo, e de salvação marítima;

c)        É o principal serviço de execução e de coordenação do combate à poluição do mar, no mar e nas costas.

3 – A orgânica da Guarda Marítima é fixada por lei. Compete ao Governo a sua regulamentação por decreto-lei.

4 – Os oficiais da Guarda Marítima são órgãos de polícia criminal.

5 – Os oficiais da Guarda Marítima são autoridades de polícia e de polícia criminal.

6 – Os oficiais da Guarda Marítima são autoridades marítimas.

7 – Os oficiais da Guarda Marítima são autoridades de polícia tributária.

8 – A Guarda Marítima integra o Sistema de Segurança Interna.

9 – A Guarda Marítima integra o EUROSUR. O Centro Nacional de Coordenação Portugal é atribuído à Guarda Marítima.

10 – O Governo define periodicamente o dispositivo de meios de ação da Guarda Marítima e publica-o no Diário da República, exceto no que possa prejudicar a segurança nacional.

11 – A Guarda Marítima é dirigida por um diretor nacional, nomeado pelo Governo entre os respetivos oficiais mais qualificados.

 

Artigo 12º

Busca e salvamento marítimo e aéreo

1 – A Guarda Marítima integra o Sistema de Proteção Civil no âmbito das missões de busca e salvamento marítimo e aéreo e de salvação marítima, e combate à poluição do mar, no mar e nas costas, mantendo reciprocamente pessoal de ligação em permanência nos relevantes centros de operações.

2 – Os oficiais da Guarda Marítima são agentes de proteção civil.

3 – A Guarda Marítima integra o sistema nacional de busca e salvamento marítimo e aéreo e de salvação marítima, nos termos da lei.

 

Capítulo IV

Recursos da administração marítima

 

Artigo 13º

Pessoal da Guarda Marítima

1 – O pessoal da Guarda Marítima tem uma carreira especial, integrada na função pública.

2 – A formação e a certificação profissional do pessoal da Guarda Marítima incumbem à Escola Superior Náutica Infante D. Henrique.

3 – Sem prejuízo do estabelecido no nº2, a formação e a certificação policial do pessoal da Guarda Marítima são ministradas em estabelecimentos de ensino das forças de segurança, nos termos da regulamentação estabelecida pelo Governo.

4 – A Guarda Marítima pode recrutar funcionários públicos, civis ou militares, para cargos específicos, em regime de mobilidade ou para suprir falhas transitórias.

5 – Não há acumulação de cargos ou funções da Guarda Marítima com cargos ou funções noutros serviços públicos, designadamente militares ou policiais.

 

Artigo 14º

Partilha de recursos

1 – A Guarda Marítima e a estrutura executiva partilham infraestruturas, em especial nos serviços desconcentrados, sem prejuízo da individualidade e da reserva devidas às respetivas funções.

2 – Todos os serviços da administração marítima partilham a informação administrativa e técnica, no Sistema Integrado de Registo e Informação Marítima (SIRIM), para garantir a eficácia e a eficiência da sua atuação e na resposta aos cidadãos, nos termos da lei.

3 – A Guarda Marítima está vinculada ao direito sancionatório em geral, e ao Direito Penal e Processual Penal em especial, nomeadamente quanto à informação e à investigação criminal.

4 – Os centros de coordenação de busca e salvamento marítimo e aéreo situam-se em centros de operações da Guarda Marítima.

 

Artigo 15º

Taxas e sua aplicação

1 – Os serviços da administração marítima podem cobrar taxas por serviços prestados aos particulares, por requerimento ou responsabilidade destes, que correspondam aos custos diretos incorridos pelos serviços e um valor adicional que não pode ser superior a 5% desses custos.

2 – Os montantes cobrados em taxas por serviços prestados aos particulares destinam-se a suportar despesas de capital e, excecionalmente, despesas correntes, dos serviços que as cobram, para melhorar a eficácia e eficiência dos serviços prestados.

3 – O ministro das Finanças, o ministro responsável pela economia e o ministro responsável pela administração marítima aprovam, cada dois anos, a tabela das taxas da administração marítima por serviços prestados aos cidadãos, validada por auditoria de entidade independente dos organismos que cobram essas taxas.

 

Capítulo V

Colaboração com a administração marítima

 

Artigo 16º

Apoio pelas Forças Armadas

1 – As Forças Armadas apoiam os serviços da administração marítima, a pedido formal destes serviços e dentro das capacidades sobrantes de que os exércitos disponham.

2 – O pedido de apoio de capacidades militares, ou apenas de recursos humanos ou materiais, é dirigido ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

3 – O Governo pode aprovar protocolos de colaboração e apoio entre os serviços da administração marítima e as Forças Armadas, em especial, no sentido de fazerem uso de recursos da Armada para tarefas da administração marítima, como sejam a fiscalização dos espaços marítimos e o apoio logístico aos meios de ação marítima da Guarda Marítima.

4 – Os oficiais dos Navios da República Portuguesa, armados e com missão atribuída no mar, podem elaborar autos de notícia de ilícitos que os mesmos oficiais tenham detetado nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional. Os ilícitos são comunicados de imediato à Guarda Marítima, para que esta prossiga os adequados procedimentos previstos na lei.

 

Artigo 17º

Apoio e colaboração por forças e serviços de segurança

1 – As demais forças e serviços de segurança apoiam e colaboram com os serviços da administração marítima, a pedido formal destes serviços.

2 – O apoio e a colaboração com a Guarda Marítima decorrem no âmbito do Sistema de Segurança Interna, e são coordenados pelo Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, podendo ser formalizado por protocolos aprovados pelo Governo.

 

Artigo 18º

Administrações dos portos

1 – As administrações dos portos atribuem locais permanentes para que os meios da Guarda Marítima sediados nos respetivos portos neles fundeiem e atraquem, com fácil acesso por terra e por mar.

2 – Estes locais fazem parte da componente de serviço público a que está vinculada cada administração portuária.

 

Capítulo VI

Disposições transitórias

 

Artigo 19º

Criação de estruturas

1 – É criada a Guarda Marítima, por fusão da Unidade de Controlo Costeiro e Fronteiras da Guarda Nacional Republicana e da Polícia Marítima.

2 – É criada uma direção-geral executiva, a nomear pelo Governo, por fusão da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos e da Direção-Geral da Autoridade Marítima.

3 – É criada uma direção-geral de planeamento e avaliação, a nomear pelo Governo, que substitui a Direção-Geral da Política do Mar.

4 – É criada a Escola da Guarda Marítima, que substitui a Escola da Autoridade Marítima.

5 – A Escola de Guarda Marítima é integrada na Escola Superior Náutica Infante D.Henrique.

6 – É criado o Sistema Integrado de Busca e Salvamento Marítimo e Aéreo (SIBSMA) por fusão do Sistema Nacional de Busca e Salvamento Marítimo e do Sistema Nacional de Busca e Salvamento Aéreo.

 

 

Artigo 20º

Extinção de serviços

1 – São extintos:

a)        O Sistema de Autoridade Marítima;

b)        A Autoridade Marítima Nacional, enquanto órgão;

c)        O Conselho Nacional Coordenador Marítimo;

d)        A Direção-Geral da Autoridade Marítima;

e)        A Direção-Geral da Política do Mar;

f)         A Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos;

g)        A Escola de Autoridade Marítima;

h)        A Polícia Marítima;

i)          O Sistema Nacional de Busca e Salvamento Marítimo;

j)         O Sistema Nacional de Busca e Salvamento Aéreo;

k)        A Unidade de Controlo Costeiro e Fronteiras da Guarda Nacional Republicana.

2 – O Instituto Hidrográfico, a Direção de Faróis e o Instituto de Socorros a Náufragos passam a ser direções de serviço da Guarda Marítima, com funções de autoridade técnica, respetivamente, no âmbito da hidrografia, da oceanografia e das ajudas à navegação, e do salvamento marítimo no mar e nas praias.

 

Artigo 21º

Revogações

1 – São revogadas todas as normas contrárias ao disposto nesta lei, e em especial são revogados os seguintes diplomas do Governo: o decreto-lei nº15/94; o decreto-lei nº248/95; o decreto-lei nº253/95; o decreto-lei nº43/2002; o decreto-lei nº44/2002; o decreto-regulamentar nº86/2007; o decreto-lei nº49-A/2012; o decreto-lei nº235/2012; e o decreto-lei nº52/2016.

2 – É revogada toda a legislação avulsa que não foi abrangida pelo número 1, e que regulamenta a administração marítima e a autoridade marítima, bem como o decreto-lei nº265/72, Regulamento Geral das Capitanias, cujas matérias passam a ser reguladas pelo Código Administrativo do Mar.

3 – É revogado o art.40º e o nº2 do art.53º da lei nº63/2007 de 06 de Novembro, que aprova a Orgânica da GNR.

Artigo 22º

Alterações legislativas

1 – O art.12º da lei nº53/2008 de 29 de Agosto, Lei de Segurança Interna, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 12.º

Natureza e composição do Conselho Superior de Segurança Interna

1 – […]

2 – […]

[…]

h) O comandante-geral da Guarda Nacional Republicana, os diretores nacionais da Polícia de Segurança Pública, da Polícia Judiciária e da Guarda Marítima, e os diretores do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e do Serviço de Informações de Segurança;

[…]”.

2 – O art.23º-A da lei nº53/2008 de 29 de Agosto, Lei de Segurança Interna, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 23.º-A

Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional

1 – […]

[…]

4 – O PUC-CPI tem um Gabinete de Gestão constituído por elementos da Guarda Nacional Republicana, da Polícia de Segurança Pública, da Polícia Judiciária e da Guarda Marítima, designadas/os coordenadoras/es de gabinete.

[…]

9 - A Autoridade Tributária e Aduaneira pode colocar elementos de ligação no PUC-CPI.

[…]”.

3 – O art.25º da lei nº53/2008 de 29 de Agosto, Lei de Segurança Interna, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 25.º

Forças e serviços de segurança

1 – […]

2 – […]

3– […]

a)              A Guarda Marítima;

[…]”.

4 – O art.12º da lei nº49/2008 de 27 de Agosto, Lei de Organização da Investigação Criminal, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 12.º

Cooperação internacional

1 – […]

2 – A Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a Guarda Marítima integram, através de oficiais de ligação permanente, a Unidade e o Gabinete previstos no número anterior.

3 - A Polícia Judiciária, a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a Guarda Marítima integram, através de oficiais de ligação permanente, os Gabinetes Nacionais de Ligação a funcionar junto da EUROPOL e da INTERPOL.

[…]”.

5 – O art.13º da lei nº63/2007 de 06 de Novembro, que aprova a Orgânica da GNR, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 13.º

Autoridade de polícia tributária

1 – […]

a)   Todos os oficiais no exercício de funções de comando na Unidade de Ação Fiscal e nas respetivas subunidades;

[…]”.

6 – O art.22º da lei nº63/2007 de 06 de Novembro, que aprova a Orgânica da GNR, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 22.º

Unidades e estabelecimento de ensino

1 - Na Guarda existem as seguintes unidades:

a) O Comando-Geral;

b) Territoriais, os comandos territoriais;

c) Especializadas, a Unidade de Ação Fiscal (UAF) e a Unidade Nacional de Trânsito (UNT);

[…]”.

7 – O art.37º da lei nº63/2007 de 06 de Novembro, que aprova a Orgânica da GNR, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 37.º

Comandos territoriais

1 – […].

2 - Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, os comandos territoriais têm sede em Ponta Delgada e no Funchal e, sem prejuízo de outras missões que lhes sejam especialmente cometidas, prosseguem, na respetiva área de responsabilidade, as atribuições da Guarda no âmbito da prevenção e investigação de infrações tributárias e aduaneiras, dependendo funcionalmente da Unidade de Ação Fiscal, relativamente às respetivas áreas de competência.

[…]”.

 

Artigo 23º

Transferências de recursos

1 – Todos os recursos e sistemas da Unidade de Controlo Costeiro e Fronteiras da Guarda Nacional Republicana e da Polícia Marítima, ou por estas operados, são transferidos para a Guarda Marítima.

2 – Todos os meios atribuídos à Armada, sem vocação predominantemente militar, designadamente navios de patrulha e lanchas, são transferidos para a Guarda Marítima.

3 – As infraestruturas atribuídas à Armada, ou por esta administradas, e que servem as atividades da Direção-Geral da Autoridade Marítima e da Polícia Marítima são transferidas, respetivamente, para a nova estrutura executiva e para a Guarda Marítima.

4 – Todos os recursos e sistemas do Instituto Hidrográfico, da Direção de Faróis e do Instituto de Socorros a Náufragos são transferidos para a nova estrutura executiva.

5 – A informação e os sistemas de informação associados aos registos patrimoniais, de navios e de embarcações, são transferidos para o Instituto de Registos e Notariado, sem prejuízo do contributo essencial que os serviços da administração marítima continuam a dar no âmbito da matrícula de navios e embarcações.

 

Artigo 24º

Período de transição

1 – Durante o período de transição, no qual os serviços da administração marítima não têm os seus quadros preenchidos com pessoal nomeado pelos procedimentos previstos na nova legislação, mantêm-se em serviço os efetivos da Armada, sem perderem tempo de serviço ou condições para progressão na respetiva carreira.

2 – Os efetivos da Armada que quiserem optar pelos quadros dos novos serviços da administração marítima desligam-se definitivamente das Forças Armadas, sem perderem tempo de serviço nem de remuneração-base.

3 – Os efetivos da Armada que quiserem regressar aos quadros da Armada no período de transição ficam na situação de supranumerário, nos quadros da Armada.

4 – Enquanto não existirem oficiais próprios qualificados para o cargo, o diretor nacional da Guarda Marítima é escolhido pelo Governo, pelo seu mérito e experiência no setor. Se for um militar, está na situação de reserva antes de assumir funções na Guarda Marítima.

 

Artigo 25º

Entrada em vigor

1 – Esta lei entra em vigor com os diplomas legais que lhe dão execução e a regulamentam.

2 – A lei que aprova a orgânica da Guarda Marítima é posta em vigor até 270 dias após a publicação da presente lei no Diário da República.

3 – O Governo publica os decretos-lei que regulamentam a presente lei até 270 dias após a publicação da mesma no Diário da República.

 

 


2 comentários:

  1. Sem prejuízo e uma análise mais aprofundada, o trablho e o projeto de lei, numa apreciação perfunctória, merecem o meu apoio. António Bernardo Colaço.

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  2. Tal como é timbre do Autor, o presente trabalho reveste-se do maior interesse quer em termos de enquadramento quer de contributo para o relevante tema em apreço.
    Fernando Luso Soares

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