Passado quase um ano sobre o último texto
que publiquei neste blogue, só os resultados das eleições legislativas de
04-Out-2015 trouxeram factos que me levam a nova reflexão; deixo-a aqui e agora
– longa, mas tão curta quanto podia ser uma análise crítica que tinha de ser
abrangente.
Começo com um gráfico que reúne os
principais resultados eleitorais desde 1980 (sem os resultados de partidos
pequenos e efémeros). Ajuda-nos a colocar alguma perspetiva e dinâmica nas
coisas, já que a visão instantânea, fotográfica é sempre redutora.
Votantes e Abstenção
Deste gráfico ressalta o crescimento quase
constante do número de inscritos para votar, ficando um milhão abaixo da
população recenseada. Isto implica que, sobretudo, os menores de 18 anos sejam
perto de um milhão. Parece pouco, quando a população dos ensinos pré-escolar, básico
e secundário são mais de um milhão e meio (PORDATA, 2013). Portanto, existe uma
fundada suspeita que o número de eleitores inscritos está acima da realidade –
quiçá por se manterem nos cadernos eleitorais um milhão ou mais de cidadãos portugueses
eleitores que já não o são de todo.
O gráfico revela ainda que o número total de
votantes tem oscilado; erra pouco quem afirmar que desde há 20 anos votam nas
eleições parlamentares 5,5 milhões. É certo que há uma redução consistente, mas
suave, na última década (2005-2015); mas a redução em 2015 pode dever-se
sobretudo à emigração de 200 mil pessoas desde 2011.
Combinando os números dos eleitores e dos
votantes resulta que a abstenção não terá crescido tanto quanto se diz no
espaço mediático; dito de outro modo, há indícios credíveis de que se os
cadernos eleitorais forem atualizados, a abstenção pode ter estabilizado nos
35%. Se assim for, os portugueses não estarão a distanciar-se da política tanto
quanto dizem os comentadores.
De resto, a abstenção no Reino Unido e nos
EUA em eleições comparáveis também ronda e excede os 40%: no RU foi 40% em
2011; e 33% em 2015, mas estas eleições tiveram grande afluência pelo receio de
empate; nos EUA, desde 1970 que não é inferior a 40% e já chegou a 50%. Estes
países são muito relevantes porque têm sistemas eleitorais com uma ligação
forte entre eleitos e eleitores. Note-se que as fracas restrições à posse de
armas nos EUA devem-se à forte ligação entre eleitos e eleitores. Quem defende
que a elevada abstenção revela que o sistema eleitoral português é mau e tem de
mudar, ou que a política é especialmente má por cá, tem de rever a sua posição.
Mas trazer algum realismo aos que defendem que a abstenção é um sintoma de
doença da democracia portuguesa e que a doença reside no sistema eleitoral é
matéria para outra reflexão.
Este ponto é importante, porque revela que é
relativamente estável o número de portugueses (5,5 milhões) que se interessa por votar e pelo governo
– e é provável que não varie muito o número de portugueses (3,5 a 4 milhões)
que se mantém alheado do voto e dos destinos do governo.
Adiante especulo sobre as explicações para
este alheamento. Mas para já importa notar que não se pode considerar que a
abstenção se deve a falta de escolha: concorreram 17 partidos a estas eleições
– mas apenas 7 partidos (ou 5 forças políticas, considerando as coligações)
elegeram deputados.
Resultados eleitorais
Penso que só o BE e o PAN têm razões para se
sentirem contentes com os resultados das eleições de 04-Out-2015: o BE, porque
duplicou os votos e os deputados; e o PAN, porque conseguiu entrar no
parlamento pela primeira vez. Os demais partidos estarão
- tristes mas não muito, porque perderam a
maioria absoluta que tinham coligados (PSD e CDS, PaF) mas ainda ganharam as
eleições; e o PSD tem mais deputados eleitos do que o PS;
- muito tristes, porque não tiveram maioria
absoluta nem ganharam as eleições (PS); ou porque nem sequer entraram no
parlamento, ficando atrás do PAN (PDR/M.e Pinto, e Livre/R.Tavares);
- aliviados, porque mantiveram os 450 mil
votantes do costume (PCP).
Em
termos simples, 2 milhões preferiram quem lhes prometeu manter a prudência e várias
restrições às despesas e às obras públicas, até virem melhores dias (PaF). E 3
milhões votaram em vários partidos que rejeitaram tais prudência e restrições, usando
as expressões “fim da austeridade” e “mudança” (PS, PCP e BE). Isto é, 25% do povo
preferiu forças que não prometem “leite e mel”; e 38% preferiu forças que
prometem. Mesmo depois de estar bem à vista que prometer “leite e mel” na
Grécia (com o apoio destes partidos por cá) apenas piorou a situação grega e trouxe
novo resgate ainda mais duro do que o que estava em curso – aplicado pelos que
garantiram que a austeridade tinha acabado. É importante registar estes factos,
pois é muito frequente a crítica de que os políticos mentem ou fazem promessas
que não podem cumprir; mas só alguns são criticados por isso.
Este
fenómeno já era conhecido dos gregos antigos, que notavam que a demagogia
(prometer “leite e mel” para recolher apoios) era o maior perigo da democracia;
disse Aristóteles (Política): “A
principal causa das mudanças é, nos estados democráticos, o atrevimento dos
demagogos”; mais à frente “A democracia de Heracléia também deveu a ruína a
seus demagogos”; ainda “quase todos os tiranos são demagogos que conseguiram
crédito junto ao povo atacando os nobres” (troque-se “nobres” por “ricos” ou
“bancos” e a frase é atual); por fim, “Se houver rendas suficientes, não se
deve, como fazem os demagogos, distribuir à arraia-miúda o dinheiro que sobrar”
(a possibilidade do crédito nas economias modernas esvaziou a palavra “sobrar”:
se faltam recursos ao Estado para distribuir, contrai-se dívida, e alguém
pagará no futuro – e não faltam demagogos por aí a dizê-lo e a fazê-lo).
Portugal
não será diferente dos demais países, quanto à preferência da maior parte do
povo por demagogos, que depois desiludem na governação. Mas seria de esperar que
a bancarrota, o fracasso da aventura grega e a desilusão com a prática dos
demagogos levasse os iludidos a rejeitar as campanhas de promessas de “leite e
mel”, pelo menos quando houvesse campanhas contrárias a essa linha; quem
faz campanhas sem prometer “leite e mel” arrisca mais a derrota do que quem
promete “leite e mel”, pelo que é mais provável que esteja a dizer a verdade –
que é aquilo que quase todos os eleitores dizem que falta. Mas se a maioria dos
eleitores não rejeita as promessas de “leite e mel”, está a sinalizar que é a
prometer “leite e mel” que se ganham eleições e a garantir sucesso aos
demagogos. Como se podem depois queixar de terem sido enganados?
Nenhum
partido ou coligação teve maioria absoluta. É especialmente importante sublinhar
este ponto, pois os dirigentes do PS e do PaF, e até o Presidente da República
(PR), insistiram muito na vantagem de sair destas eleições uma maioria absoluta
– poucos duvidaram que se visava uma maioria absoluta do PaF ou do PS e nenhuma
outra. Desde logo, a maioria dos eleitores desprezou este apelo: nem se votou em
maior número (caso do RU) nem se concentraram votos num polo. Os portugueses, abstendo-se,
ou votando e dispersando-se, criaram um parlamento em que só dois partidos pequenos
(BE e PAN) estão satisfeitos com o resultado, e só dois partidos (PCP e BE)
ganharam com o resultado.
Pode interpretar-se esta conduta dos
portugueses como indicando que o PaF deve ser moderado pelo PS; ou desejando
que o PS se coligue com o PCP e o BE. Entretanto, uma sondagem da Intercampus
revelou que cresceu a preferência dos portugueses pelo PaF (sem chegar à
maioria absoluta) e, muito menos, pelo PS e pelo BE (TVI, 18Out/20h). Parece
haver entusiasmo à esquerda, mas a vontade de consenso é maior ao centro; se
houvesse uma clara deslocação de preferências dos eleitores para o PS, Costa
podia reclamar que a sua ideia de se aliar ao PCP e ao BE era aprovada pelo
povo. Mas não há.
Há outro plano mais abstrato de interpretação
dos resultados eleitorais, que opera no âmbito psicológico dos eleitores. Os portugueses
esperam que os políticos melhorem as suas vidas; é nesse sentido, de fé num
Estado paternalista e em políticos-tutores, que se pode dizer que a maioria dos
portugueses é de esquerda. Dos discursos marxista-leninista (“os ricos que
paguem a crise”) e social-democrata (“tem de se reduzir as desigualdades”)
resultam promessas de um Estado que cuida de todos, e políticos que só servem o
interesse público (e acordo universal sobre o que isso é). E tantos portugueses
têm fé nestes discursos – os mesmos portugueses que se queixam do Estado por
tudo e por nada, na tradição da constante lamúria de que falava Gil Vicente na
“Romagem dos Agravados”, ou da inveja de que falava Camões em “Os Lusíadas”.
Combinando estes aspetos tipicamente portugueses com a tendência das massas
seguirem os demagogos em democracia obtém-se um futuro sombrio.
Costa, o revisionista
Noutros tempos, o vencedor das eleições avançaria
de imediato para a formação do governo e, sem maioria no parlamento, trataria
de fazer cedências para ir aprovando as leis e o Orçamento de Estado em
especial. Desta vez, algo mudou: o líder do segundo partido mais votado (PS),
Costa, iniciou de imediato diligências para formar um governo com mais dois
partidos (PCP e BE), de modo a ter apoio maioritário no parlamento; e chegou a
declarar a media estrangeiros e ao PR
que ele estava em melhores condições para formar um governo estável, assente
num acordo entre esses três partidos (PS, PCP e BE) – mas não revelou o acordo
que disse existir, e o presidente do PS declarou que o acordo só seria divulgado
após a indigitação do primeiro-ministro (SIC, 20-Out/20h). Costa disse que
representava a vontade de mudança que a maioria do eleitorado, que votou naqueles
três partidos, desejará.
Este sumário descreve a situação
objetivamente, mas pouco ajuda a percebê-la, porque lhe faltam muitos elementos
e pormenores que estruturam as situações e as dinâmicas políticas em concreto;
e, como diz o ditado inglês, “the devil is in the details”.
Primeiro, que disseram todos
antes das eleições?
Costa andou anos na Quadratura do Círculo a
dizer que era contra um Bloco Central, e cumpriu o que disse ao romper o acordo
que Seguro tinha feito com o PSD e o CDS sobre o IRC (de caminho, mostrou que
não é pessoa para cumprir pactos em vigor e de que discorda – importante facto
a reter). E tem sido muito crítico do Tratado Orçamental e da prudência na
condução das finanças públicas. Costa nunca quis admitir outro cenário que não
fosse a vitória do PS e por maioria absoluta; e sublinhou que não se coligaria
com o PaF após as eleições – nunca sugeriu sequer que admitia coligar-se com o
PCP e o BE, e poucos admitiram essa eventualidade depois dos debates nas TVs
entre estes partidos.
O PCP e o BE há décadas que andam a dizer
que o PS é de direita (“são farinha do mesmo saco”, disse Jerónimo em
15-Set-2015), pelas políticas que pratica e por se aliar ao PSD e ao CDS nas políticas
de fundo. O PaF mostrou que tinha abertura para negociar compromissos com o PS;
já não parece possível que o PaF possa negociar compromissos com o PCP ou o BE.
Na substância, o PaF quebrou a tradição das
campanhas eleitorais constituírem um leilão, com os partidos a prometerem mais
do que os concorrentes: o PaF não prometeu benefícios nem melhorias imediatas
nos rendimentos; só desejou que elas venham a ocorrer a prazo. Já o PS, o PCP e
o BE prometeram que, com eles no governo, aumentariam os benefícios que o
Estado disponibiliza, que tratariam de reduzir os impostos para a classe média
e alguns grupos, e contestaram a subordinação às restrições financeiras
inerentes à inserção na Zona Euro (o PS mais próximo de as aceitar, mas
querendo discuti-las; os demais rejeitando-as em absoluto).
Cabe ainda notar que, pela primeira vez, um
partido fora do Governo (PS) apresentou um programa apoiado num modelo
macroeconómico. Tem natureza keynesiana, algumas das suas medidas foram discutidas,
mas não os seus pressupostos: um deles é a taxa de crescimento anual do PIB de
2,6% de 2016 a 2018 e 3,6% em 2019 – média que os governos do PS de 2005 a 2011
nunca conseguiram (nem antes de 2008), e que não ocorre há 20 anos; há 15 anos
que não se atinge um crescimento anual do PIB de 2,6%. Se é polémica a
orientação keynesiana – moderada como é o caso – para conseguir impulsionar o
crescimento do PIB, aqui e agora, uma taxa média de 2,8% de 2016 a 2019 devia ter
merecido muito mais escrutínio e debate do que mereceu. Parece que muitos
comentadores não perceberam este facto, por se terem contentado com o facto de haver
um programa com números, ou por não os perceberem. De facto, o PS propôs um
programa otimista, pouco credível.
Segundo, “mudança” e
“austeridade” querem dizer o mesmo para os três (PS, PCP e BE)?
Não. “Austeridade” para o PCP e o BE
significa não aumentar e cortar os benefícios que o Estado dá aos cidadãos. A
adoração marxista pelo Estado em abstrato (já que, em concreto, merece as
críticas mais violentas destes partidos) é uma expressão da ideologia
coletivista e transpersonalista que os move. Já o PS reconhece a necessidade da
austeridade, como revelam os dirigentes que falam em “austeridade excessiva” e
“austeridade cega”; há, então, uma austeridade que não é excessiva ou não é
cega, o que permite compromissos com quem defende prudência e restrições nas
despesas do Estado.
Quanto a “mudança” passa-se o mesmo. E pode
acrescentar-se que a inspiração marxista-leninista (assumida) do PCP e
(encapotada, mas revelada nos objetivos e nos instrumentos) do BE significa que
estes partidos visam uma mudança de regime, porque não se reveem no Estado de
Direito nem na democracia liberal, que é formal. Não só contestam
frequentemente a natureza formal em que assenta o Estado de Direito, como só
falam em “Estado Social” (a menos que alguns direitos, como a presunção de
inocência, lhes deem jeito e votos), criticam a democracia e defendem que visam
alcançar uma “verdadeira democracia” e a “democracia económica”; de resto, a
sua linguagem e a sua dualidade de critérios revelam intolerância e anunciam
revanchismo – e onde governaram ou governam marxistas-leninistas foram intolerantes
e revanchistas. Numa metáfora, o marxismo-leninismo, como o islamismo e os
fascismos, veem o Estado de Direito e a democracia liberal como um autocarro:
usa-se para chegar onde se quer e depois larga-se. Já o PS visa adotar uma
política keynesiana, de estímulos à procura para acelerar o crescimento
económico, a qual se enquadra no sistema capitalista e na democracia liberal (mas
a experiência mostra que é uma política equivocada – veja-se Portugal de 2005 a
2011 – pois assenta na ideia de que gastando hoje em consumo final dinheiro que
não há, isso vai fazer com que haja mais dinheiro amanhã para consumo e
investimento – pode acontecer, mas não é na nossa economia, sem soberania
monetária, muito endividada e dependente do exterior).
Tendo o PS abandonado há décadas o marxismo como
fonte doutrinária, é bizarro que considere que a mudança que visa tem algo em
comum com a mudança preconizada pelo PCP e pelo BE. Ou melhor: há socialistas
(p.ex. Assis, Gama e, suspeita-se, até Soares, cujo silêncio tem sido
ensurdecedor) que percebem as diferenças doutrinárias e que a coincidência no
uso de certas palavras (sobretudo “austeridade” e “mudança”) é tática e
circunstancial, e não traduz um espaço de compromisso ou acordo, do qual possa emergir
um governo estável e consistente.
Enfim, os próprios dirigentes destes
partidos têm afirmado e reiterado que visam evitar que o PSD e o CDS voltem a
governar; apresentam-se como uma coligação negativa, e para inverter o que foi
feito.
Terceiro, como fica o PS no
governo e na oposição?
Aliado ao PCP e ao BE, o PS
depende deles para tudo; viabilizando condicionalmente o PaF, o PS controla o
PaF. É mais racional para o PS viabilizar o PaF do que aliar-se ao PCP e ao BE:
com o PAF, tem poder de influência na governação; com o PCP e o BE, depende
totalmente deles para governar.
Viabilizando o PaF, Costa não passa
de deputado, sujeito a risos e piadas dos seus pares, por ser um derrotado que
tinha condições ímpares para ganhar; ou pode ter de se sujeitar a
arranjarem-lhe um emprego "dourado" algures, ficando a dever um
importante favor a alguém. Aliado ao PCP e ao BE, Costa pode ser
primeiro-ministro e passarem a dever-lhe favores a ele. Logo, Costa nada tem a
perder e muito a ganhar. Costa pode dizer que não busca o poder a qualquer
preço; mas Costa não convence, depois de ter derrubado Seguro por este ter
ganho por “poucochinho”, e tendo Costa agora perdido, com um dos piores
resultados de sempre do PS, não se demite e ainda tenta ser primeiro-ministro.
O PCP e o BE têm todo o
interesse em que Costa se torne primeiro-ministro depressa e sem acordos
escritos: não é difícil perceber que Costa se move por ambição pessoal, pelo
que chegado a primeiro-ministro fará tudo para não cair (até para tentar passar
a ideia de estabilidade e de compromisso). O BE e o PCP podem aproveitar-se
disso para impor as suas exigências, que Costa tem de aceitar, senão eles
abstêm-se (ou votam contra!) e Costa acaba por cair. Além disso, um acordo escrito
pode criar mais oposição a Costa no PS; e as delongas podem permitir que se
organize essa oposição. E se Costa perder no PS, o PCP e o BE perdem o poder
que Costa – e só Costa – lhes concedeu.
Costa é habilidoso e, ainda
que turvado pela ambição, planeará oferecer cargos aos dirigentes do PS mais
hesitantes, que eles não poderão recusar, para conseguir ver aprovada a sua
linha de ação no PS. Já no poder, dará benesses com utilidade eleitoral e que
possa reclamar terem sido ideia sua (e não do PCP nem do BE), para obter a popularidade
que permita alcançar uma maioria absoluta daqui a um ou dois anos. Talvez mais
do que o BE, o PCP esperará a “mudança” de Costa a prazo (ninguém se esquece
que Costa já traiu Seguro…), e daí que mostre pouco compromisso agora, queira
exigir de Costa muito e depressa, e se prepare para essa “mudança”, de que
obviamente Costa culpará o PCP ou o BE.
Veremos se, dentro de poucos
anos, o PS não vai perder ainda mais do que as eleições de 2015, apenas para
satisfazer a ambição pessoal de Costa. Suspeito que as benesses vão trazer
problemas a tão curto prazo que muitos portugueses vão aceitar uma relação de
causa-efeito entre as benesses e a crise seguinte, e culparão o PS que apoiou
Costa, mais ainda do que culparam o PS que apoiou Sócrates.
Quarto, quem acredita e quem
não acredita num acordo entre o PS, o PCP e o BE?
Arrisco-me apostar que ninguém – sublinho,
ninguém, nem entre o “povo de esquerda” (como Alegre o batizou) – acredita num
acordo PS-PCP-BE. Nenhum dos partidos envolvidos fala em aliança nem coligação,
e o PCP até evita a palavra acordo. Ninguém concretiza qual o prazo que visa
durar, nem o âmbito. Dizem os envolvidos que se está no bom caminho, mas não há
factos; há fugas de informação que parecem “balões”. Parece haver acordo em
algumas medidas mais simbólicas do que substantivas, que se concretizam no
primeiro mês, e diz-se que as questões de fundo que dividem o PS do PCP e BE
(relação com a UE e o Tratado Orçamental, integração na NATO e posição face à dívida
pública) são ignoradas (ignorar programas e questões de fundo, com
significativas implicações práticas e correntes, para que três partidos formem
um governo é algo que nunca pensei ver defendido por um dirigente político de
primeira linha; mas Costa fê-lo e reiterou-o desde 04-Out).
É importante registar que há numerosos
militantes e simpatizantes do PS que não acreditam num acordo entre o PS+PCP+BE
e, presumivelmente, num governo; destaco T.Santos, A.Beleza, Assis, S.S.Pinto,
Carlos Silva, Zorrinho, Jaime Gama, Vitorino (“acredito quando vir!”),
Soromenho Marques e Marçal Grilo. Relevante, especialmente por falar de tudo, é
o silêncio de Mário Soares (“resolve-se com inteligência!”). E tão
significativo como isso, é que não há figuras destacadas do PS (fora do círculo
que vive à sombra de Costa) que defendam a linha de ação de Costa; podem atacar
o PaF, mas não chegam a dar a cara pela defesa de Costa, e muito menos uma
defesa com argumentação robusta.
Vários jornalistas e comentadores revelam fé
na existência desse acordo, mas mais pelo seu desejo pessoal de não ver o PaF
outra vez no Governo, do que por acreditarem na viabilidade de um governo
PS+PCP+BE. Até os jornalistas-comentadores do Grupo Impresa – os verdadeiros
lideres da Oposição antes de 04-Out, que levaram Costa ao colo o mais que
puderam e que acabaram por perceber que foi um esforço duro e inglório –
revelam pouca confiança ou mesmo desconfiança em Costa.
Evidentemente que o PaF tem um incentivo
para desvalorizar as posições de Costa. Mas com tantas dúvidas, com origem em
tantos setores, não se pode dizer que o PaF tenha uma posição sectária.
Uma última nota: os chefes militares têm
conseguido manter algum poder de veto sobre as políticas dos governos (por
exemplo, a desmilitarização do mar, que se impõe desde a revisão constitucional
de 1982, tem sido tentada por vários governos e vetada por dirigentes da Armada).
Como reagirão perante um governo sustentado por partidos que rejeitam a NATO? E
como reagirão esses partidos, que defenderam a resistência dos chefes militares
às políticas de cortes nas dotações orçamentais, se esses militares agora
resistirem aos cortes que é previsível que venham a ocorrer com um governo
PS+PCP+BE, pois não custa prever que cortará na defesa para aumentar a despesa
em benesses a dar pelo Estado?
E agora?
O PS, o PCP e o BE arvoraram-se na vanguarda
dos defensores da Constituição. Seria apenas coerente que agora defendessem a
sua aplicação sem quererem “queimar etapas”. Ao visarem “queimar etapas” dão
mais um sinal de que a Constituição e a democracia são, para eles (como Lenine
defendia), um instrumento tático para alcançarem o seu objetivo estratégico de criação
da sociedade socialista. Não é novidade para quem observa em pormenor estes
partidos marxistas-leninistas, mesmo que evitem os títulos “queimados” pela
História.
Por isso, o PR deve indigitar Passos Coelho (PSD)
para primeiro-ministro, de modo a que os sucessivos passos constitucionais
sejam dados e fiquem registadas as posições de cada um. Nunca é de excluir que
as pessoas, confrontadas com as consequências das suas decisões e ações as
repensem e mudem, por estarem a fazer “bluff” ou por falta de ânimo; o que pode
traduzir-se em não chegar a haver acordo PS+PCP+BE, em o PS não aprovar o
acordo que Costa lhe apresentar, ou em o programa do Governo do PaF passar no
parlamento.
Cumpridos todos os passos e chegado Costa a
primeiro-ministro, é inevitável:
- o aumento de despesas do Estado (correntes
e de capital – isto é, obras públicas, tendo presente que em 2010 vários
manifestos de esquerda pediram mais “investimento público” e que o bloco
PS+PCP+BE rejeitou, por exemplo, a proposta do CDS de suspender a construção do
TGV, http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/bloco_de_esquerda_e_pcp_rejeitam_suspensatildeo_do_tgv.html)
para satisfazer as exigências do PCP, do BE e dos “lobbys” (todos perceberão a
fragilidade de Costa e tratarão de a explorar);
- o aumento do défice do Estado e o aumento
do défice externo, neste caso, porque o maior consumo vai trazer um aumento grande
das importações; a seu tempo, aumentará também a dívida pública, pois não só
não há nada mais valioso para privatizar e amortizar a dívida pública (exceto
prédios), como o PS, o PCP e o BE falam em nacionalizar ou inverter as
privatizações em curso;
- o aumento das taxas de juro da dívida
pública e as pressões da UE para controlar os défices e cumprir o Tratado
Orçamental;
- as atitudes quixotescas do PS+PCP+BE e a
colisão com os parceiros do Euro, à custa dos portugueses.
Quando começar a faltar o dinheiro, Costa –
como Sócrates – anunciará que “o mundo mudou”, culpará outros pelas desgraças
em curso, tentará fazer novas eleições contando que as benesses que andou a
distribuir lhe tragam a maioria absoluta e, seja quem for que então venha a
governar, voltará a ter de aplicar cortes no Estado e nos rendimentos, e a
consequente recessão. E a esquerda falará dos crimes da banca e da UE, e nem
admitirá a presunção de inocência…
O que posso eu fazer? Para lá de não votar à
esquerda, e deixar registadas as minhas reflexões, pouco posso fazer; talvez
poupar mais, para sofrer menos quando – se Costa chegar a primeiro-ministro –
dentro de um ou dois anos chegar um novo aperto, quiçá um novo resgate. E dizer
a quem culpa a banca e fatores externos pelas nossas crises que era
absolutamente previsível aquilo que estaremos então a passar, e que a culpa
cabe aos 75% de portugueses que se alheiam da política, que ignoraram a
experiência grega recente ou que preferem confiar em demagogos e utópicos do
que na realidade dos factos e na prudência.
Aplicando os critérios de justiça que tantos
do povo de esquerda proclamam, os 25% que não querem embarcar nesta aventura de
governo PS+PCP+BE deviam ser dispensados de pagar a fatura quando ela vier. Mas
não faltará quem entre esse povo, nessa ocasião, invoque direitos e justiça,
para fugir a esses custos e deixá-los aos demais. Foi assim por três vezes em
40 anos, pode ser assim de novo e em breve – a menos que Costa não chegue a
primeiro-ministro. Isso é que era bom!
Muito boa análise
ResponderEliminarCaro Eng. Silva Paulo, acho uma excelente análise. Ainda tenho esperança que os Deputados do PS façam uma boa análise das implicações de um acordo parlamentar PS BE PC. Não posso deixar de lhe lembrar porém que o Governo da Coligação se cevou nos cortes na Defesa e nos reformados. Abraço amigo JNC
ResponderEliminarExcelente e exaustiva análise.
ResponderEliminarApenas uma nota quanto à abstenção:
Estive, diurante anos, em condições de verificar, in loco, que jamais foi feita uma actualização decente dos cadernos eleitorais.
É só isso que faz com que os valores que são sistematicamente anunciados a cada eleição a impeçam de ser real, mas tão somente técnica.
Mais:
A actualização dos cadernos - e consequente abate de eleitires não existantes - tem tudo a ver com
1. Financiamento dos partidos
2. Financiamento das autarquias.
É isto!
Excelente análise! Vamos verificar se alguns dos seus prognósticos se cumprem. O António Costa é a personagem principal deste filme, veremos como sai no final.
ResponderEliminarExcelente análise! Vamos verificar se alguns dos seus prognósticos se cumprem. O António Costa é a personagem principal deste filme, veremos como sai no final.
ResponderEliminarExcelente análise! Vamos verificar se alguns dos seus prognósticos se cumprem. O António Costa é a personagem principal deste filme, veremos como sai no final.
ResponderEliminarConcordo com esta analise que considero bastaste apurada. Acrescentaria um argumento; se os eleitores soubessem que o PS iria encarar um acordo com o BE e o PC provavelmente muitos não votariam PS. Esses sentem-se neste momento enganados.
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