quinta-feira, 10 de março de 2011

Sócrates: RUA, JÁ !

Portugal tem um mau Primeiro-Ministro.
É mau à luz de dois critérios fundamentais na governação: o carácter e a eficácia.
São os critérios mais relevantes: o futuro é incerto e é a reputação de pessoa competente, que não abusará do poder, capaz de tomar as decisões que as circunstâncias exijam, que um eleitor procura na escolha dos seus representantes. E espera-se que tome decisões que sejam eficazes e eficientes; quer dizer, que melhorem a posição global do país e o bem-estar das populações.
O actual PM vive para a sua imagem, manipula e mente; reage sempre mal a críticas. E as suas políticas falharam. Que espera para reconhecer que falhou e deixar o poder?
Já só os seus apoiantes sectários hoje defendem o seu carácter; compreende-se o fervor deles, pois o sujeito é que lhes garante empregos leves e bem pagos. E não se calam, porque crêem na máxima de má memória que uma mentira repetida mil vezes se tornará verdade. E numa inversa: não falar do assunto, “limpa” as falhas de carácter. Para eles, tudo é discurso: tudo só existe e se joga em sound-bites, nas primeiras páginas e nas aberturas e clips dos telejornais.
Das mentiras já quase tudo foi dito; aqui só importa que não sejam esquecidas nem apagadas pelo tempo. A história dos títulos nas fichas do Parlamento espelhará a necessidade absurda que as pessoas sentem em Portugal de ter um título para se sentirem alguém; há atenuantes, mas nada anula o ilícito, que ficou. O caso PT/TVI revelou uma mentira clara, que se tentou disfarçar na diferença entre conhecimento oficial e conhecimento por conversas telefónicas com os envolvidos; de caminho admitiu incompetência, e os media deixaram passar tal facto. O caso PT/TVI revelou algo mais grave: a falta de vergonha do sujeito. Que se viu também confirmada no caso Freeport. O paralelo com a conduta do “padrinho” que não “suja as mãos” é gritante.
Muitos jornalistas e comentadores, para quem sound-bites e ar convicto são tudo, afirmam que o sujeito é “resiliente”, conferindo-lhe uma aura de valor, que nem a ele ocorreu promover, e que lhe serve mais do que mil palavras e campanhas. E porque não admitem que o sujeito não tem vergonha nenhuma? Mesmo com a frequência com que se irrita ante críticas, e se esconde de más notícias, os media não sugerem a falta de vergonha do sujeito; têm medo de falar de carácter? Mas alguém duvida que o carácter é um atributo nuclear de um político?
A falta de vergonha do sujeito revela-se ainda no descaramento com que manipula informações e notícias, com que usa os media para os seus fins, para beneficiar a sua imagem. Só aparece associado a coisas que dão boa imagem, como anúncios de obras, inaugurações, elogios e bons indicadores económicos. Más notícias, o sujeito deixa-as para os subordinados a quem garante emprego, que dizem o que for preciso para proteger a imagem do chefe –e o seu emprego! Mais um paralelo relevante com um “padrinho”.
A falta de vergonha revela-se também em insistir em atribuir a causa da actual crise portuguesa à crise externa. Mas só ele e os seus mais sectários apoiantes o dizem, contra os especialistas de todas, incluindo a sua, áreas políticas. Fala da “crise do Euro”, como se a crise da nossa dívida fosse um problema que tivesse de ser resolvido pela EU, estando à vista que somos nós os afectados – o Euro sobrevive à saída de Portugal. Fala do crescimento das exportações, ou da redução de desemprego, como se fosse a ele que tal se deve. Mas quando o desemprego sobe o sujeito não aparece, não dá a cara, e se fala é para culpar outro qualquer, cá ou lá fora.
E as suas políticas falharam. Basta ler em sequência os discursos do ministro das Finanças para perceber que este tem vindo aos poucos a reconhecer publicamente que a nossa actual crise se deve a termos vivido acima das nossas possibilidades, endividando-nos demais no exterior, com o incentivo e a acção dos governos do PS; já a OCDE o dizia em 1997, e os compromissos com PPP provam-no. A crise da dívida soberana e o nível de endividamento externo são produtos das políticas internas dos Governos, agravados e expostos pela crise financeira internacional. O sujeito vive em negação deste facto, contra tudo e contra todos; um pouco de vergonha levá-lo-ia a ter dúvidas, mas o sujeito não duvida. O fracasso das políticas que o sujeito advogou e praticou durante anos ficou à vista quando teve de as “meter na gaveta” (parar o “investimento público” é isso mesmo), numa feliz analogia com outro socialista seu antecessor.
Seria bom ter tudo, e do bom e do melhor; mas um Governo responsável não compromete o Estado e o país com um futuro insustentável. Mas foi isso que os governos do PS fizeram. Ainda que fosse isso que os eleitores esperavam deles, se fossem competentes não o teriam feito. Como dizia Chirac, a política é a arte do possível.
António Guterres, a quem se acusa de ter fugido, falhou e demitiu-se. Guterres teve vergonha e aplicou um princípio fundamental da democracia: quem falha abandona o poder, dando lugar a outros que se afirmam pela sua competência ou pela sua diferença ideológica. Em democracia, há sempre alternativas. José de Sousa não tem vergonha, não entende a democracia, nem o serviço ao país: quando foi sugerida a hipótese de se formar um Governo mais forte, com uma aliança PS-PSD, que pouco mais exigia do que Sousa deixar de ser PM, que fez? Disponibilizou-se logo para viabilizar essa opção? Fez consultas formais sobre a matéria? Ouviu o seu partido? Não. Recusou a hipótese, dizendo que o povo tinha escolhido havia um ano; mas meses antes disse que o mundo tinha mudado em duas semanas… Nada mais é preciso para concluir que está agarrado ao poder e que só se move pela sua imagem pessoal, mesmo quando o país está numa grave crise, que, fora da UE, podia ser fatal para a democracia portuguesa.
A democracia não é apenas a alternância pacífica no poder (Popper), nem só um conjunto de regras formais de exercício do poder (Bobbio), nem só a inclusão (Dahl); terroristas, como Hitler, chegaram ao poder pela via eleitoral, cumpriram regras formais e apelaram a todos –e vieram a destruir a democracia. Para haver democracia tem de haver democratas; democratas são pessoas tolerantes e decentes. Pela primeira vez em décadas, não se associam os atributos “tolerante” e “decente” a um Primeiro-Ministro em Portugal.
A ideia peregrina de que não vale a pena mudar de governo porque “não há alternativa” revela um fraco entendimento da democracia e uma admiração subtil pelo mediatismo (e pela “resiliência”) de Sousa. Há quem, à boa maneira portuguesa, diga mal para ficar bem perante outros, mas não se sinta muito chocado com as falhas de carácter nem os fracassos políticos do actual PM. A figura autoritária e a boa imagem de Sousa seduzem-nos mais; como não se vê mais ninguém como ele, e se temem os rigores das políticas sérias, aceitam ficar com este – tal como na Parábola da Rã Cozida, que cozeu na panela ao lume, porque não saltou enquanto a água estava morna, julgando que o poderia sempre fazer mais tarde. É racional?
Há anos que o PSD e o CDS-PP são as mais prováveis alternativas ao PS. Podem ajustar os seus programas, mas todos sabemos, genericamente, o que defendem; e há diferenças importantes, como revela a conduta dos partidos mais à esquerda. Se não há mais alternativas, é porque alguém as bloqueia; por exemplo, Sousa bloqueia todas as que passem por ele não ser PM.
Enfim, José Sousa não cumpre os critérios fundamentais para ser Primeiro-Ministro, mesmo que lá tenha chegado legitimamente. Não tem a decência necessária para o perceber, nem para sair humildemente. Os demais partidos com assento parlamentar não têm condições de o demitir. O Presidente da República não vai actuar com a ligeireza de Jorge Sampaio.
Assim, é preciso um sobressalto cívico dos cidadãos para criar as condições para afastar Sousa do poder, e viabilizar uma alternativa. Para o conseguir há que gerar uma onda de pressão, na Internet, nos media e na rua, com um slogan, que cede um pouco à força dos media:
“Sócrates: RUA, JÁ!”

4 comentários:

  1. O Artigo publicado reflete a opinião efectiva da generalidade dos Portugueses que são de facto livres, os quais, compreendendo bem o conceito da Democracia não sentem qualquer temor das palavras escritas, quando as mesmas refletem o direito à indignação, quando vêm o seu País ser Governado por incompetentes e permissíveis à corrupção, a qual alastra sob um olhar tímido duma justiça envergonhada e comprometida!!!!

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  2. Junto a minha voz
    Sócrates e camarilha (para não dizer quadrilha) para a rua- Já!

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  3. Junto também a minha voz.
    Em 1995 quando o Prof. Cavaco Silva saiu do Governo, o défice era 0% e a dívida externa entre o deve e o haver de Portugal era 0; o desemprego situava-se perto dos 7%; e em 1993 tivemos na Europa a maior crise económica depois da 2ª Guerra Mundial. Hoje, passados 15 anos de governação socialista (bom tivemos uma interrupção de 2 anos com Durão Barroso onde Manuela Ferreira Leite, Ministra das Finanças, introduziu o termo défice em Portugal e pôs um travão ao despesismo do Guterres) o défice é o que é, o desemprego anda perto dos 14%, e a dívida externa nem falar. Estes são dados objectivos.
    Em 1995 nos célebres comícios da Pontinha (PS) e do Pontal (PSD) o Prof. Cavaco Silva disse que as promessas do Eng. Guterres iriam custar aos portugueses no 1º ano 'x', no 2º ano 'y' e por aí fora. O PS ganhou as eleições nesse ano e por exemplo a primeira medida foi demitir o presidente da BRISA, retirar as portagens da CREL e renegociar o contrato de concessão. Começou aí o despesismo. Claro que depois veio a Manuela Ferreira Leite e repôs as portagens na CREL pois não havia dinheiro para borlas. Isto foi apenas exemplo de que o Prof. Cavaco Silva chamou a atenção no seu famoso artigo 'O Monstro'. Hoje a nossa dívida cresce 2 milhões de euros à hora; Portugal é hoje um país falido.
    Tenho para mim uma teoria que vale o que vale. Vivemos uma ditadura de direita durante 50 anos. O balão rebentou em 1974 e hoje Portugal é claramente um país de esquerda (cerca de 60%). Vamos precisar de mais 50 anos para os portugueses se libertarem destes 'complexos' de esquerda e direita e votarem nas pessoas pelo seu passado e pela sua competência e não pelo partido de esquerda ou de direita. Se os portugueses não tivessem complexos de esquerda e direita, o Sr. José Sousa não seria seguramente PM.
    Concordo igualmente que Guterres admitiu que falhou e foi-se embora; este não admite e mantém-se cá com o apoio da esquerda (complexada) portuguesa.
    PSC

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  4. Não concordo com a ideia do "sobressalto cívico". quer esteja associada à ideia de susto (mas quem é que só agora se assustou - se o rumo que o País toma, já tem 20 anos?), quer esteja associada à ideia de "tomar de assalto" (menos bom ainda, pensar que as manifestações no ciberespaço ou na rua são mais legítimas/adequadas que os votos nas urnas).
    A revolução que tem de ser feita tem de o ser na cabeça das pessoas, e não no seu exterior.
    O caminho correcto passa por três atitudes que todos devem adoptar:

    1º trabalho - como diz o poeta, dar o máximo que temos no mínimo que fazemos.

    2º participação activa na escolha de quem nos representa e governa - e isso implica pensar...

    3º para os que têm ideias, ideais, e qb de coragem - proporem-se democráticamente como alternativa à oligarquia vazia que nos governa.

    Estas atitudes devem ter como valor moral base, a verdade. Só com a verdade é que conseguimos despertar da letargia dos sound-bytes e das inverdades em que a sociedade moderna tem vindo a ser impregnada.

    Não nos devemos esquecer que a democracia é a pior forma de governo, com excepção de todas as outras (W.Churchill, 1947). Por isso e porque foi essa a decisão do povo, acredito que a melhor opção é deixar chegar ao fim este mandato, e depois, se for caso disso, tomar novas opções. E entretanto pressionar para que sejam tomadas decisões adequadas, nos foros adequados.

    De qualquer modo, também não estou seguro de haver uma alternativa actual sólida à actual governação. Com o PEC 4 já o PSD vem dizer que não apoia estas medidas. Mas estavam à espera do quê? Com o défice público e privado que ainda temos? Com o país a perfilar-se para entrar em bancarrota? Ou talvez algumas destas medidas não agradem a sua clientela? Ou estão a sentir-se demasiado colados à imagem do governo? Ou têm outra solução (realista de preferência)?

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