Como dizia no meu último
post, os media dão eco a tudo o que pareça justificar que se deve acabar com a
austeridade; tudo o que justifique a necessidade ou os bons resultados da
austeridade dá-se nota breve e não se repete. Terão medo que se torne viral?
E ao mesmo tempo que os
media pressionam pelo fim da austeridade, apontam a subida da dívida pública
como uma falha do Governo (que é consequência directa do “mais tempo e mais
dinheiro” que andaram a “pregar” mas de que já se esqueceram), sugerindo que a
solução é o crescimento económico, porque dispensa os dolorosos cortes na
despesa. Os media adoram as teses rápidas e simples (simplistas). É assim que moldam as imagens
de alguns políticos, que depois “levam ao colo” (ver Sócrates, António Costa e
Pires de Lima); mas também é assim que destroem os que têm
ilusões de manipular os media. Porém, a superficialidade – bem ao gosto de
demasiados cidadãos, que querem “esperança” e depois se queixam de serem
manipulados ou enganados – pouco tem a ver com a substância das coisas.
Vejamos alguns exemplos
representativos.
Estivemos mais de 10 anos com
crescimento anémico, com o IVA da restauração baixo e com bom consumo interno. Por
que razão o resultado será melhor se voltarmos ao modelo anterior? A baixa das
taxas dos impostos aumenta imediatamente o défice, sem se saber se, e quando, o
consumo cresce e produz mais receitas em volume do que a perda por baixa das
taxas. Mas como uma deve subir e a outra descer, há quem ache que são iguais e
se compensam, logo. E se correr mal, podem sempre criticar o governo por ter
falhado…
Além disso, o aumento do
consumo interno vai aumentar as importações, sem aumentar as exportações, e
desequilibrar a balança externa; e voltamos ao endividamento externo. Mas ele
não se “vê”, pelo que os media pretendem que não é um “problema das pessoas”…
Será que o vírus da gripe é um “problema das pessoas”?…
A promoção de políticos
pelos media é outro caso relevante. Por exemplo, Pires de Lima é tido como uma
excelente escolha para ministro da economia por ser um bom gestor. Um ministro
concebe, dirige e controla políticas públicas, o que exige um conhecimento profundo
do Estado; um ministro da economia precisa de perceber bem como o Estado actua,
e como deve actuar, na economia – mas os gestores de empresas raramente
percebem a natureza e funcionamento do Estado e tendem a desprezá-lo. Paulo
Macedo foi uma boa excepção. Veremos se há mais. Mas não custará a alguns media
exaltarem as más notícias por mais alguns meses, para que pareça credível que
foi um ou outro ministro a conseguir o fim da recessão.
Outro caso é a ideia de
que Portugal fica melhor fora do Euro. Nem quem defende a saída, a defende para
já. Nos media, em geral, a saída do Euro merece simpatia, pois o facilitismo
atrai mais audiências – ficar no Euro implica controlo de despesas e partilha
de soberania, isto é, dá trabalho. E corre a ideia de que fora do Euro não
sofreríamos crises desta gravidade. Como se Portugal não tivesse tido duas
graves crises de endividamento externo em 1977 e 1983, e ainda nem se sonhava
com o Euro…
Mais um: a carta de
demissão de Vitor Gaspar. Numerosos comentadores, e jornalistas nessa posição,
andam a dizer que Gaspar reconheceu o falhanço da sua política e logo concluem
que o Governo devia mudar de política. Gaspar fez considerações infelizes e
desnecessárias sobre liderança, mas não escreveu nada que indique que a sua
política falhou. Diz, sim, que por ter falhado as previsões perdeu
credibilidade, a qual é indispensável na nova fase, de orientação explícita para
o crescimento; e que esta fase é possível por a austeridade ter funcionado. É
óbvio que falhar previsões não significa falhar uma política; só não falha previsões
quem não as faz e os erros das previsões devem-se sobretudo à alteração de
pressupostos que estão fora do controlo de quem dirigiu ou executou a política.
Todas as pessoas podem perceber isto; mas há algumas que não fizeram esforço
para perceber (nem para perceber como se fazem previsões), e outras têm uma
agenda na qual não encaixam os factos.
E ainda outro: se a
ministra Maria Albuquerque mentiu a respeito dos “swap”. Ouvi por inteiro as
declarações de Gaspar e de Maria Albuquerque, por várias vezes, e aquilo que
afirmam é que de "swaps" em geral, e de "swaps" nas
empresas públicas, há muito que se ouvia falar; o que o Governo de Sócrates não
disse foi a situação em concreto dos contratos de "swap" das empresas
públicas portuguesas em Jun-2011. Por isso, Teixeira dos Santos pediu um
relatório à IGF que só esteve pronto em Jul-2011; e nem este explicava todas as
implicações em concreto dos contratos. Muitos, sem conhecerem o problema em
concreto, dizem que o Governo levou tempo a mais; reconhecem, implicitamente,
que o problema está a ser resolvido, mas estão, na prática, a branquear os três
factos mais relevantes: o Governo de Sócrates deixou as empresas públicas sem
supervisão nesta matéria; não conhecia a situação concreta em Jun-2011; e, o
pior de todos, não fez nada para o resolver. E atribuem igual culpa a ambos os
governos…
Por fim, os media querem
despesas públicas elevadas e impostos baixos. Claro que isso é bom para as
audiências e muitas pessoas acreditam que é possível só por alguém o dizer no
espaço público – e depois queixam-se de serem enganados pelos políticos em
campanha eleitoral… Quem quer menos impostos tem de aceitar mais baixas
despesas, pelo menos enquanto o crescimento económico não superar 2-3%. Até lá,
há que cortar despesas, porque só assim se reduz o défice e a dívida pública pára
de crescer. Mas é claro que os media acham que perdem audiências se defenderem
cortes nas despesas; defender coisas que soam bem às pessoas, ainda que sejam
opostas e mutuamente exclusivas, e estar contra o Governo, é mais popular e não
prejudica as audiências. Muitas pessoas não querem perceber isto…
Este caso revela um dos
problemas das modernas sociedades democráticas: os governos que procuram
soluções equilibradas entre interesses divergentes acabam por ser criticados
por uns e outros, pois nenhuma das partes vê no compromisso o que defendia à
partida, e porque as partes esperam que os governos lhes dêem tudo o que elas
querem. A conclusão dos media (superficial, como é de prever) é que os governos
falharam. A seriedade exige que se avalie até que ponto cada parte viu as suas
pretensões satisfeitas e que críticas duma parte se dirigem, de facto, à outra
parte. Claro que isto obriga a investigar; dá trabalho. Por vezes, os
jornalistas pedem apreciações a especialistas, mas nas entrevistas balizam-nas em
respostas curtas e linguagem simplista – “para as pessoas perceberem”… – em
directo, ou em peças editadas que se resumem a “sound bites” ou pouco mais.
Depois, muitos admiram-se
por os políticos usarem linguagem simplista e manipuladora. Que se pode esperar
dos deputados em debates no plenário ou nas comissões, senão que dêem o seu
melhor por produzir “sound bites” para telejornais e capas de jornais? Não é
isso que os media e as suas bases de apoiantes lhes “pedem”? E é isso que o
resto do país procura e quer?
Claro que há mais casos
como os referidos, com um elemento comum: alguém se recorda de jornalistas e
comentadores que tentam adivinhar ou prever eventos futuros admitirem os erros
quando (frequentemente) falharam? E no entanto são ligeiros a recomendar demissões…
Com a crise das TVs, não
pode surpreender a proliferação (“praga”?) de comentários políticos, mais
baratos do que outros programas, pois a exibição na TV já é suficiente
remuneração para muitos comentadores. Poucos deles têm suficiente capacidade
teórica e analítica para perceber a realidade que comentam, e nada mais fazem
do que integrar a intriga e a “espuma” com que se cruzam ou que ouvem. Bastantes
cobrem uma agenda pessoal ou de grupo com a capa do comentário político. Por
vezes, surgem como jornalistas-especialistas na matéria, pretendendo com isso
dar uma ideia de credibilidade – quando apenas estão a “fazer opinião”. A falta
de fundamentação com que falam é confrangedora; mas são os “sound bites” (às
vezes, o humor) e não a clareza de raciocínio ou a fundamentação que lhes
asseguram a presença nas TVs.
Nalguns casos, os
comentadores ajudam a perceber muitas coisas. Por exemplo, ouvir Manuela
Ferreira Leite, ministra das Finanças de 2002 a 2004, ajuda a perceber por que
razão o país não piorou então – mas também não melhorou nem mudou o rumo.
Pelo contrário, penso que
há sempre algo de relevante a aprender com António Costa Pinto, Joaquim Aguiar
e João César das Neves. Ouço Marcelo Rebelo de Sousa, porque é importante saber
qual é a agenda dele; ou seja, o que pensa e diz um muito provável candidato a
PR.
Todos os comentadores têm
liberdade de expressão e as TVs liberdade de escolha. E eu tenho liberdade, que
exercito com assiduidade, de ignorar a larga maioria, como talvez faça a
maioria dos portugueses, deixando-os a falar uns para os outros e a manipular
quem o queira ser.
Meu caro capitão-de-mar-e-guerra, tudo bem, mas o final do post a dizer que ignora a larga maioria dos comentadores não se ajusta ao conteúdo anterior.
ResponderEliminarOs votos que faço vão no sentido de muitos outros anteriores, aproveite o seu potencial e a sua condição para, a partir do que menciona, propor com saber e justificação claramente expressa, assumindo-se, mudança ou apoio do que se está a fazer.
Um abraço amigo, António Pena.