segunda-feira, 24 de outubro de 2011

EQUIDADE? NÃO. É PRECISO INVESTIMENTO e PRODUÇÃO!

As declarações do Presidente da República sobre a equidade fiscal levaram-me a passar a escrito as reflexões sobre a actual situação que têm esvoaçado na minha mente.
Achei logo aquelas declarações desnecessárias, porque nada podiam trazer de bom.
Digo-o com a independência que advém de ser apoiante de Cavaco Silva há muitos anos, de ter tolerado o seu calculismo político em relação às eleições presidenciais de 2011 (porque o bem maior que foi a sua reeleição o justificava) e porque sou servidor do Estado. Mas não penso que tenham sido declarações incendiárias ou iniciadoras de uma crise institucional.

“Equidade” e “justiça” são palavras demasiado usadas para terem valor na comunicação – que quer dizer “pôr em comum”. Quando cada pessoa tem um significado pessoal para as palavras, só por acaso elas se entendem (as pessoas e as palavras). Por exemplo, quando alguns falam em “equidade”/”justiça” o que “ouço” é “inveja”; em muitos “leio” os “outros que paguem” – é o que eu interpreto dos argumentos e dos actos de muitas pessoas; e, como elas, também tenho direito às minhas interpretações subjectivas. Já se vê que isto não traz nada de bom…

Será que “equidade fiscal” é um conceito objectivo? Pode parecer, mas não é.
Exigir iguais sacrifícios a quem tem iguais rendimentos (equidade horizontal, a que se referem aquelas declarações) parece óbvio e simples, mas “quem está dentro do convento é que sabe o que lá vai dentro”. Cada um é que sabe o que lhe custam os sacrifícios; a cobrança de impostos só pode tentar aproximar-se e é cega. Como tal, porque não é exacta nem acerta, está sempre “errada”, e dá espaço para a permanente discussão, estéril, sobre a falta de “equidade”, ainda que as pessoas conheçam os factos. Eu creio que todas as pessoas percebem facilmente isto, pelo que não levo à letra quem insiste em falar de “equidade” no discurso corrente; acho que estão a dizer outras coisas, como as que referi acima.
Ao falar em equidade, o Presidente, ou o Professor, Cavaco Silva lançou uma discussão estéril e, pior, desgastante; pode ser que venha a surgir algo de bom desta discussão, mas duvido.

Aplicando agora ao caso “servidores do Estado versus empregados de empresas”, mais do que a subjectividade, o sacrifício duma perda de rendimento no sector público não causa a angústia que pode causar no sector privado, porque os servidores do Estado têm segurança de emprego e o sector público tem sistemas específicos de apoio aos funcionários. A perda de rendimento por aumento de impostos pode ser agravada com um despedimento para um empregado duma empresa, mas não para um servidor do Estado. Estes têm menos riscos, e isso tem mais valor numa crise grave e longa, suavizando os sacrifícios.

Quanto à equidade vertical (sacrifícios iguais com diferentes rendimentos), ela é impossível. De facto, para igualar os sacrifícios dos pobres e dos ricos, tinha de se empobrecer os ricos até ao nível dos pobres. Sem dúvida que muitos adoram tal hipótese, revelando os seus reais motivos. Mas com isso apenas se destruía o país, por duas razões:
- os privados com maiores rendimentos podem poupar e investir; e é o seu investimento que gera empregos e crescimento económico (embora ainda haja muitos que não perceberam que não são os subsídios do Estado que geram crescimento); curiosamente, os que mais falam em tributar mais o património dos ricos são os que se converteram há pouco ao crescimento…
- ao empobrecer muito os ricos num ano, limitam-se as receitas fiscais a obter deles a seguir; por exemplo, se tributarmos todos os muito ricos portugueses este ano e os deixarmos a viver com o salário mínimo, teremos uma receita (extraordinária) de €10.000 milhões, que paga o défice de 2011 – mas em 2012 já não temos ricos para investir nem a pagar impostos, e o Estado ainda vai ter de lhes pagar por agora serem pobres.

Porém, a equidade fiscal é apenas uma parte da equidade social. Esta obriga a responsabilizar cada um pelas suas acções; ou seja, quem foi responsável e culpado por criar a insustentável dívida é que deve pagá-la – como há vários níveis de responsabilidade e culpa, há diferentes fracções a considerar.
A maior cabe aos dirigentes políticos dos últimos 15 anos. Logo a seguir, aos eleitores que os colocaram ou mantiveram no poder. Depois, aos abstencionistas, que se mantiveram à margem, e assim deram cobertura aos eleitos e às maiorias de apoio.
E ainda haverá alguns de fora destes grupos e que pressionaram para ter, ou usufruíram, dos produtos do endividamento, e que os aceitaram sem querer saber de quem iria pagar e como.
Não é fácil encontrar uma forma de os responsabilizar a todos, e muito menos com a equidade de que se fala. E é fácil perceber que ficam poucos de fora destes grupos. Portanto, com a urgência actual, têm de pagar todos; e todos pagam alguma coisa, apesar do que se diz.
Mas tem de ser a classe média a pagar mais, porque é a classe média que mais usufrui das despesas do Estado; embora talvez beneficiasse mais da redução de impostos e de autonomia de decisão sobre como afectar os seus recursos. Só que a classe média tem preferido a ilusão de que o Estado é um saco sem fundo… Nesta crise, talvez conclua que não, duma vez!

Alguns dizem e disseram tudo isto durante muito tempo, mas poucos lhes atenderam – e agora tantos queixam-se como se a crise e a forma de a resolver fosse novidade. Ainda assim, muitos ainda falam com emoção como se fosse possível resolver os problemas sem serem afectados.

E se a equidade/justiça não é um conceito fértil em tempos normais, menos o é quando um país está “derrotado após uma guerra”, como é a situação de bancarrota em que está Portugal.
O Estado precisa de apoio externo para pagar remunerações, pensões e facturas. Se um credor exige garantias, quem dá apoio externo, para ajudar, além das garantias, exige que o país se torne sustentável. Não há tratamentos fáceis de cura do alcoolismo, nem uma quimioterapia passa sem horríveis efeitos secundários – mas são as melhores hipóteses de se voltar a ter uma vida longa e saudável. Repito: são tratamentos horríveis, mas não há melhor alternativa. Outras alternativas são rezar, esperar milagres ou que os curandeiros acertem.

Enfim, a “equidade”/”justiça” serve sobretudo para nos dividir, com a agravante da tradição que a inveja tem entre nós. Esta crise seria um bom momento para afastar estas discussões estéreis que nos dividem, e enraivecem a tantos, sem que daí venha algo de bom, para tratarmos de encontrar as melhores formas de investir, produzir, consumir menos e exportar mais.

Dito isto, duvido que estas explicações alterem as reacções emotivas e os preconceitos que já se instalaram em tantas pessoas. Pelo menos, tentei.

2 comentários:

  1. Caro Silva Paulo, concordo com a tua opinião de que se trata de uma discussão estéril e com quase todos os teus argumentos.

    Julgo contudo que cometeste uma imprecisão quando afirmaste que “o sacrifício duma perda de rendimento no sector público não causa a angústia que pode causar no sector privado, porque os servidores do Estado têm segurança de emprego e o sector público tem sistemas específicos de apoio aos funcionários”, sem teres em atenção que a medida de governo atinge um universo mais amplo do que o que referes como o dos servidores do Estado.
    Provavelmente sem te dares conta, assimilaste, sem qualquer ressalva, os trabalhadores de todas as empresas públicas ao universo de quem recebe por verbas públicas, ou para ser mais rigoroso, de quem exerce funções públicas e está vinculado à prossecução do interesse público.

    O facto de o Estado ter a maioria do capital de uma empresa não parece, só por si e na ausência de outros preceitos estatutários ou legais, implicar que as retribuições dos trabalhadores sejam verbas públicas nem que esses trabalhadores estejam por aquele facto vinculados à prossecução do interesse público.
    Em regra as empresas públicas de direito privado não pagam salários com verbas públicas, e se porventura um accionista publico tiver de fazer um provisionamento para pagar salários, isso não significa que automaticamente esses salários passem a ser verbas públicas. Se assim fosse, o mesmo princípio aplicar-se-ia às empresas onde o Estado não é maioritário mas, como qualquer accionista, pode ser obrigado a avançar com verbas para colmatar problemas de tesouraria, e essas empresas não foram abrangidas pela proposta de Orçamento de Estado para 2012.

    Quanto à prossecução do interesse público, julgo que ele tem a ver com os objectivos da participação accionista do Estado na empresa, seja ela maioritária ou não, permanente ou temporária, não com a natureza do vínculo laboral dos seus trabalhadores, que em regra nada difere do vínculo de qualquer trabalhador de uma empresa privada.
    No caso do vínculo de um trabalhador de uma empresa pública ou participada ser diferente do das privadas, seja porque foi nomeado pelo Estado, caso dos gestores públicos, seja por qualquer outra razão estatutária ou particular, estaremos perante um trabalhador sujeito ao regime do contrato de trabalho em funções públicas, ao qual se aplicam as condições de protecção que referiste, qualquer que seja a participação relativa do Estado no capital da empresa.

    Para a grande maioria dos trabalhadores de empresas públicas, a perda de rendimento por redução de salários ou supressão de subsídios pode ser agravada com um despedimento, nos mesmos termos que para um empregado duma empresa privada.

    Sem discutir a forma desastrosa como a generalidade das empresas públicas foram geridas, por culpa quase exclusiva dos gestores públicos nomeados pelo Estado, parece-me que de facto os trabalhadores dessas empresas estão a ser discriminados, tanto em relação aos que exercem funções públicas (vulgo funcionários públicos no sentido mais amplo do termo ou servidores públicos) como em relação aos trabalhadores das empresas privadas.

    De facto falar de equidade é uma discussão estéril, mas a falta dela pode também ser, só por si, um factor de divisão.

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  2. Jorge Bettencourt tem razão na sua posição. Não me dei conta que os empregados das empresas públicas também tinham sido abrangidos, e suspeito que isso é irregular (curiosamente, não vejo isso ser debatido nos media).

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