quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

E O COLAPSO DO EURO?

Vivemos tempos exigentes e incertos. A incerteza causa ansiedade. A ansiedade faz as pessoas falarem muito: para desabafar; para se aliviarem; para se ouvirem; para exorcizar pânicos; e até para não estarem caladas. E quando falam muito, tendem a contradizer-se mais.

Claro que as palavras são baratas e leva-as o vento. Por isso, pode ser salutar falar demais, mesmo com contradições – desde quem dirige tenha ideias claras e saiba liderar, e quem divulga não pretenda que o que se diz por aí é mais do que “ar quente”.

Escasseia quem tenha as ideias arrumadas e não aumente a confusão e a turbulência do ar quente. Vejamos alguns exemplos das contradições que se dizem por aí, que são relevantes porque é frequente serem emitidas por uma mesma pessoa:
 É essencial cumprir o Memo da Troika – os cortes podem ser aliviados.
 É essencial cumprir o Memo da Troika – deve exigir-se um prazo mais longo e juros mais baixos.
 Devia renegociar-se a dívida – P:“E se os credores não aceitarem?”; R: [silêncio].
 O Estado não tem dinheiro – não se devem vender participações do Estado (“são estratégicas...”)
 Não se podem aumentar mais os impostos – deviam aumentar-se os impostos, em vez de cortar subsídios de Natal e de férias no Estado.
 É absolutamente necessário crescimento económico – Viva a greve geral.
 São necessários estímulos ao crescimento económico – O Estado não tem dinheiro.
 São necessárias as Eurobonds – Os madeirenses que paguem a sua dívida.
 Devia haver mais solidariedade europeia – Os madeirenses que paguem a sua dívida.
 Merkel manda na Europa – Ninguém manda na Europa.
 Merkel quer dominar a Europa – Merkel não quer latinos/sulistas no Euro.
 Sou federalista/falta Governo Económico – Portugal não tem de cumprir o que a Troika (FMI+BCE+ComE) diz.
 Os cortes e a austeridade são necessários – “eu” já pago demais.
(esta tem numerosas variantes, designadamente para cada profissão e grupo social organizado, mas basta ilustrar com os seguintes exemplos)
 Todos devem contribuir – “eu” tenho direito a não pagar portagens.
 O Estado devia cortar nas “gorduras” – o “meu” sector é obviamente essencial.

As mais interessantes contradições são colectivas:
 Já passámos os limites do aceitável – o PSD e o CDS têm maioria nas sondagens.
 O povo é ignorante – o povo é sábio [quando o partido do emissor ganha].

Isto resulta de muita ignorância e de interpretações manipuladoras, amplificadas nos media, por pessoas que têm acesso fácil aos “megafones”. E a maioria dos anónimos, pensa que o que ouve é o país a falar aos “megafones”. De facto, há media para todos os gostos, e há meios onde se pode obter informação realmente confiável e relevante; ao contrário da intriga e das notícias “pão com manteiga”, dá trabalho obter essa informação, pois ela exige algumas bases técnicas e históricas para ser entendida.
É notória a falta de substrato, quando se ouvem pessoas com acesso fácil a “megafones” dizerem que a “empresa X é estratégica” ou a “empresa Y deve ser pública”, e as justificações que dão ainda chocam mais. Ou quando discorrem sobre “neoliberalismo” ou “Keynesianismo”, sem nunca terem lido o que os seus criadores escreveram ou defenderam.

Uma nota apenas sobre a minha visão da situação europeia, matéria a respeito da qual não é menor o “ar quente” emitido por tantos por cá.
Partilho da interpretação de que Merkel se sente imbuída de uma missão quase-religiosa (com algum eleitoralismo) de punir os indisciplinados sulistas, e que levará a sua missão até sentir que não pode mais.
É uma posição que a distancia dos grandes chanceleres alemães que a antecederam, que se contentaram sempre em dar a dianteira e a aparência da iniciativa à França, e geralmente moderando-a em privado. Quem dirige ou é um líder ou tem pouca margem de manobra perante os dirigidos; Merkel não tem perfil de líder, ainda que se sinta imbuída de uma missão.
E não está sozinha: de facto, não há ninguém a contradizê-la, mas muitos não o fazem por concordarem com ela.

Diz-se que Merkel manda na Europa; de facto há muitos anúncios de propostas, mas poucas decisões formais e concretizadas em normas executáveis, e que têm acabado por ser ultrapassadas pelas subidas dos yields. Decidir manter, ou não mudar, também é decidir. Mas é a decisão que não garante aos credores que os recursos que aplicaram em dívida pública europeia lhes são pagos; se o sistema institucional do Euro não for alterado é óbvio que haverá estados (quiçá, mais) a endividar-se excessivamente, podendo não pagar as dívidas. E, portanto, os credores têm cada vez mais dúvidas em lhes emprestar, reflectindo as suas expectativas nos yields (que sobem, tais taxas de juro).
A única forma de parar esta escalada é garantir aos credores actuais e futuros que a dívida pública lhes será sempre paga (coisa que, apesar dos enormes montantes em causa nos EUA e no RU, não está em dúvida em relação a estes países). E, para isso, é preciso que o sistema institucional do Euro possa evitar endividamentos excessivos, e que garanta os pagamentos caso eles ocorram – seja por federalismo fiscal (de concretização política virtualmente impossível), por governo económico centralizado (realizável se não exigir revisão dos tratados da UE) ou por o Banco Central Europeu garantir que nenhum estado deixa de pagar as suas dívidas (emprestador de último recurso, actualmente ilegal).
A ajuda externa dá uma ideia do que é o governo económico centralizado, e é provavelmente a melhor solução a curto e médio prazo, mas tem de ser assumida formalmente e interiorizada pelos países.
Com a estagnação na Europa e com a Alemanha a sentir dificuldade na emissão de dívida pública, o “fogo chegou-lhe à porta”.
Agora é preciso mudar e Merkel terá de mudar; e como só a Alemanha pode assumir os compromissos que são necessários para resolver a crise, Merkel vai ter de decidir mudar nos próximos dias.
A alternativa é um colapso do Euro, e quiçá da UE, com turbulência social de proporções inimagináveis em muitos países europeus.
Uma moeda fraca não se cria com calma: como é fraca, assim que se souber da sua criação, quem tem Euros nos bancos vai a correr levantá-los, e como os bancos não podem pagar a toda a gente que tem dinheiro depositado, geram-se tumultos em todos os bancos e filiais; as pessoas zangam-se entre si e contra tudo e todos os que considerem culpados da situação, por exemplo, o Governo e cidadãos alemães, com muita destruição e vítimas; quem tem Euros não os gasta e a sua circulação pára estancando a actividade económica; tudo isto em dias ou horas. O simples facto de se saber que se está a planear a mudança de moeda desencadeia os eventos indicados.
A introdução da nova moeda demora o seu tempo porque leva tempo produzi-la e distribuí-la; entretanto tumultos e destruição vão-se acumulando, chegando a haver fome e interrupção dos serviços públicos, pela turbulência social e por falta física de moeda (todos querem Euros, mas quem os tem guarda-os).
Nos dias, semanas e meses que se seguem a este colapso, o retomar da actividade económica far-se-á com custos de combustíveis e alimentos (importados) muito mais caros (não serão só alguns tostões); as dívidas em Euros multiplicam-se na nova moeda nacional, levando muitos devedores à falência; e haverá desvalorizações competitivas de todos os países com as novas moedas fracas, se não mesmo do Euro-menor. Tudo isto produzirá um empobrecimento brutal dos portugueses em dias ou semanas, de que só escaparão os que possam emigrar e que tenham depósitos em moeda forte no estrangeiro.

Nada garante a Merkel que isto não atinge a Alemanha. Ela sabe que este cenário é provável em vários países e que todos a responsabilizariam por isto – caso não decida tomar as decisões que os mercados necessitam de ver para recuperar a confiança em que as dívidas públicas são sustentáveis e pagas. Mas eu acredito que ela nos fará sentir muito ansiosos antes de, no último momento, evitar a catástrofe.
Porque é uma catástrofe e os danos causados, semelhantes a uma guerra, nunca serão compensados por ganhos de competitividade da futura moeda desvalorizada face ao Euro.

A alternativa da catástrofe obriga a preferir qualquer outra solução.

A principal lição da economia é que as decisões e as políticas não se avaliam em abstracto, mas face às alternativas: uma má política é a preferida se for melhor do que as alternativas. Isto não é optimismo nem seguidismo: é ter as ideias claras e arrumadas.