domingo, 18 de setembro de 2011

LUSOBONDS e EUROBONDS

Pouco depois de publicar o texto abaixo, soube de mais uma dívida da RAMadeira por pagar.
Por estes dias, entrou também na agenda mediática o "défice tarifário" da energia, que os consumidores terão de pagar, sem se saber como.
E também se fala muito de EUROBONDS (não os originais, dos anos 1960s e 1970s, mas os dos oportunistas).
Ao contrário do que parece, estes três temas têm uma relação íntima, como explicarei.

Ouvi ontem AJJardim declarar que não tinha revelado tudo ao Governo de Sócrates e aos serviços competentes, a respeito dos compromissos que assumiu em obras na RAMadeira, emergindo agora mais uma dívida de centenas de milhões de €, a pagar.
Ainda não percebi todos os contornos da situação, designadamente, como é que se podem assumir compromissos de despesa, serem (aparentemente) registados, mas depois as autoridades competentes não saibam de nada (custa-me entender a aparente inacção do TContas nesta matéria!). Por se tratar de AJJardim, era inevitável a cascata de reacções e de "gritaria" nos media. Também não houve nada de novo na postura altiva de AJJardim.
A ocasião foi muito má, como é toda a revelação de ocultação de compromissos após o Memo da Troika; é especialmente má, porque levará muitos, lá fora, a concluir que, afinal, Portugal não é diferente da Grécia, quando o Governo de PPC já tinha conseguido criar uma convicção dessa diferença. Os danos não são irreparáveis - mas vai levar muitos meses ou anos até que se possa voltar a acreditar na contabilidade pública portuguesa. Aliás, todos os que, como eu, defendemos uma auditoria exaustiva às contas públicas, divulgada e credível, logo após a queda de Sócrates (e escrevi-o abaixo), sentem-se agora vindicados. A tese de que não se devia fazer uma "caça às bruxas" sugere antes complacência com os malfeitores.
Dito tudo isto, AJJardim é capaz de ganhar as eleições de Out-2011, porque quem o elege são os madeirenses, que usufruiram das despesas públicas que ele patrocinou, mas cujos custos, nem ele nem os madeirenses suportam - pelo menos, por inteiro.
Os eleitores madeirenses são racionais, e procuram o que melhor os pode servir, e quem não gosta de ter benefícios sem suportar os custos "que atire a primeira pedra"!

Era fácil reescrever o texto acima com pequenas alterações, e referir-me a Sócrates em vez de AJJardim. Podia escolher muitos temas, mas bastam as PPP, o "défice tarifário" e as "energias renováveis" para ilustrar o que é anunciar e fazer "obra", comprometer o Estado em despesas (com contratos que não são divulgados) e deixar que alguém (os contribuintes, inevitavelmente) pague as contas. Com uma diferença crucial: os eleitores de Sócrates não podem mandar a conta para outros (por mais que o PS e os socialistas falem em EUROBONDS). Nesse sentido, espanta mesmo é que lhe tenham dado uma segunda maioria (ainda que relativa) em 2009. Só a cegueira dos eleitores, que querem ver obra e têm fé que alguém (outrém...) pagará a conta, pode explicar a repetição do erro - que não ocorre na Madeira, porque os eleitores sabem que não pagam toda a conta.

É de notar que é a esta obsessão com "mostrar obra", com os recursos dos contribuintes "à-mão" (e, maioritariamente, da classe média), exaltando os benefícios e ocultando os custos, que Hayek se referia quando dedicou o seu livro "The road to serfdom" (1944), "to the socialists of all parties". E é bom reconhecer que Sócrates e AJJardim podem ser pouco responsáveis a gastar, mas a sua inspiração é socialista ou social-democrata: usar os recursos do Estado para fazer obra, impressionar os contribuintes, e serem eleitos ou re-eleitos a seguir.
Daqui resulta uma perplexidade: porque está tanta gente incomodada com o socialismo de AJJardim? Não vejo tantos incomodados com o mesmo socialismo de Sócrates. Só pode ser por não terem tido o êxito dele.

A outra perplexidade é a atitude de tanta gente a favor das EUROBONDS.
Mesmo que houvesse base legal no Direito Comunitário para criar EUROBONDS (e não é nada fácil rever os tratados para o efeito), duvido que elas fossem criadas agora, porque era o mesmo que os povos e Estados disciplinados darem "cheques em branco" a dirigentes como Sócrates e AJJardim: a UE obtinha o dinheiro, dava-lhes para investirem, e eles gastavam em despesas correntes ou endividavam-se encapotadamente, tendo a UE de vir a cobrir as dívidas por pagar. Ou seja, os povos e Estados disciplinados teriam de pagar as dívidas dos indisciplinados. Este cenário é tão previsível, que tanto os povos como os mercados financeiros já o anteciparam - os povos recusam-no e os mercados associam-lhe elevados yields. Muitos portugueses diriam o mesmo se estivessem em causa LUSOBONDS para a RAMadeira. E, de certa forma, estão!

De facto, empréstimos contraídos (na forma de LUSOBONDS ou EUROBONDS) por uma entidade central, sendo os recursos depois cedidos a entidades com ampla autonomia, criam um problema de risco moral ou oportunismo pós-contratual, porque é a entidade central (que contratou o empréstimo ou que representa o Estado) que vai ter de pagar em último recurso, sem poder controlar a realização das despesas.
A solução não é eliminar a autonomia, mas é impor-lhe fortes restrições.
Vendo bem, o empréstimo da UE/FMI a Portugal e à Irlanda é substantivamente idêntico aos EUROBONDS que poderão vir a ser criados: o risco de incumprimento, partilhado por todos os Estados da Zona Euro, é fortemente reduzido pela divisão no tempo em parcelas condicionadas, e pelo programa de controlo da actuação do Estado endividado (designadamente, na imposição de metas de corte de despesas e aumento de receitas, e no acompanhamento exaustivo pelos credores).
Aposto que a larguíssima maioria dos que papagueiam o seu desejo de EUROBONDS não são realmente diferentes de AJJardim nem de Sócrates: querem que alguém obtenha o dinheiro a baixas taxas de juro, para eles gastarem sem controlo apertado e assim conseguirem ganhar eleições.
Nem lhes ocorrerá que a criação de EUROBONDS vai acarretar necessariamente a criação de mecanismos de controlo das finanças públicas nacionais (a estabelecer nos tratados), e a perda de autonomia generalizada dos Estados em favor de uma burocracia central europeia (de inspiração germânica e nórdica) - os potenciais credores não emprestam a juros baixos se não houver forte controlo sobre os que já mostraram ser indisciplinados, nem os povos disciplinados aceitam outra coisa, porque senão têm de pagar juros mais altos, o que, sendo racionais e podendo pagar menos, eles recusam.

Enfim, nada que a Teoria da Escolha Pública (Public Choice) não tivesse previsto.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Avaliação preliminar

Realmente, acho que há pouco para dizer por estes dias.
No essencial, é preciso reflectir bem sobre as decisões políticas que estão a ser tomadas (quero dizer: lê-las; perceber as intenções, os objectivos declarados, e as implicações), e só depois emitir conclusões. Está bem de ver que este método tem pouco a ver com a necessidade de os media "agarrarem" audiências diariamente.
Ao fim de quase três meses de Governo, pouco posso avaliar, porque ainda tenho muito para reflectir. Mas já tenho algumas ideias a solidificar.

Primeiro, PPC está a ser contemplado com um pouco do que fez a, pelo menos, um dos dirigentes do PSD que o antecedeu (MFL em concreto): críticas incisivas e públicas, que o debilitam. Cá se fazem, cá se pagam. Podia evitar-se o espectáculo da "vingança" pública, mas a "carne é fraca", como sabemos nós todos pecadores.

Segundo, o Governo de PPC levou muito longe o seu desprezo pelos media, ao ponto de não explicar decisões políticas complicadas. Partilho a aversão à política da imagem e do espectáculo que nos governou durante 6 anos de PS e Sócrates, mas "nem tanto ao mar nem tanto à terra" - "no meio é que está a virtude". Compreendo que a prioridade era estudar processos, preparar decisões e tomá-las "em passo de corrida", mas não explicar bem pode ser desastroso, porque cria ansiedade nos cidadãos que têm direito a ser informados e pode aliená-los, com o risco de cairmos numa perturbação social que alguns desejam, ao ponto de tanto falarem nela e com linguagem marcial.

Terceiro, está claro que há excelentes ministros no Governo; dois já deram clara prova de que sabem o que fazem, como fazem e fazem bem - Paulo Macedo e Nuno Crato. Impus-me a mim mesmo um ano para avaliar o Governo no seu conjunto, embora a meta do défice de 2011 seja um elemento crucial, sobretudo internacionalmente; será decisivo e, se não houver nenhum choque externo, pode mudar todo o ambiente interno.

Quarto, estão a aparecer decisões sobre cortes, em dois meses de Governo, mostrando que são difíceis (os cortes anunciados têm pequena monta) mas possíveis (Sócrates nem fez cortes, nem sequer controlou a despesa). Mas, como tantas vezes disse medina Carreira, os grandes consumidores no Estado são o pessoal e a segurança social, ambos fortemente avessos a cortes (menos do que se esperava). Era melhor fazer os cortes na despesa pública, após uma profunda discussão pública sobre as funções do Estado Português. Mas ela não surge e, francamente, receio que com a ignorância e demagogos que dominam o nosso ambiente político e mediático pouco se aprofundasse e pouco de válido se concluísse. Afinal, de um tal debate pouco mais se pode esperar do que concluir por uma forte liberalização e retracção do Estado (ninguém acreditará seriamente que colectivamente queremos ser mais socialistas ou ter um Estado mais interventivo), mas essa é a linha do Memo da Troika e do actual Governo (pelo menos, é a do PSD de PPC), e está em curso.

Quinto, quero só deixar aqui a minha posição favorável à privatização de todos os media do Estado - apesar de não duvidar que os meus leitores não esperariam de mim outra posição. No essencial, estamos a falar de vender a privados as rádios, a agência noticiosa e os canais de televisão, e passar a contratar com privados, por leilão, o serviço público de emissão do Estado. Dispenso-me de demonstrar que os media do Estado são "bens e serviços do domínio público" e prestam um serviço de natureza privada, de resto, já em concorrência (desleal) com operadores privados.
O serviço público de emissão do Estado pode ser contratado com privados, sujeitando um caderno de encargos da substância do serviço público (p.ex. quantidades de minutos de programação a cada hora do dia, a cargo do Estado, e preços unitários para adicionais; nos intervalos de tempo contratados com os operadores privados, o Estado inclui informação oficial, discursos e avisos oficiais que queira difundir, tempos de antena, tempos para minorias, etc mas nunca pagaria para emitir programas desportivos) a concurso público, e contratando com o operador que peça o mais baixo preço por um pacote-base e uma determinada consideração de adicionais. Este tipo de abordagem já se faz para a aquisição de numerosos outros serviços (conheci-a bem na Marinha). Não duvido que cadernos de encargos bem pensados e bem elaborados, e contratos transparentes, bem acompanhados, vão trazer reduções apreciáveis de encargos para os contribuintes. Mas também não duvido que o aumento de concorrência entre operadores privados lhes dá um incentivo forte para se oporem à privatização da RTP, como os "sinais de fumo" vindos da IMPRESA-SIC sugerem.

Por fim, registo a tentativa que se desenha no PS (e nos seus muitos simpatizantes nos media) de se tentar esquecer e desligar de seis anos de Governo de Sócrates, incluindo os desvios que deixou ocorrerem já no primeiro semestre de 2011, a ruína das PPP (ainda por saber ao certo, mas de perto de €50 mil milhões) e de ter conduzido Portugal à quase-bancarrota. Ninguém deve procurar justificar-se com o passado - excepto quando recebe o poder com o país na quase-bancarrota.